gravidezfonte: O Globo

O baixo crescimento ainda no útero da mãe é o principal fator de risco para que crianças de dois anos apresentem atraso no seu desenvolvimento em 137 países de baixa e média renda. É o que aponta estudo que procurou identificar as maiores causas do problema, definido como uma estatura menor que dois ou mais desvios padrões (um parâmetro estatístico) da média global para a idade. Ainda de acordo com a pesquisa, mais de um terço, ou cerca de 44,1 milhões, das crianças desta faixa etária sofria com este atraso nos países em desenvolvimento em 2011.

Ao todo, os cientistas das universidades de Harvard, EUA, e Imperial College London, Reino Unido, analisaram 18 fatores de risco reunidos em cinco grandes grupos: nutrição e saúde da mãe; maternidade na adolescência e curto intervalo entre gestações; restrições no crescimento do feto e nascimentos prematuros; nutrição e saúde da criança; e fatores ambientais. Isoladamente, 10,8 milhões, ou aproximadamente um quarto, dos casos de crianças afetadas pelo atraso no desenvolvimento aos dois anos nos 137 países puderam ser atribuídos ao fato delas terem nascido a termo, isto é, após pelo menos 37 semanas de gestação, mas anormalmente pequenas. Já a falta de saneamento adequado provocou 7,2 milhões de casos, ou 16,4%, enquanto as diarreias na infância foram o terceiro maior fator, respondendo por 5,8 milhões, ou 13,2%, dos casos.

Agrupadas, as restrições no crescimento do feto e a prematuridade constituiu o principal grupo de fatores de risco em todos países avaliados, com um total de 14,4 milhões, ou cerca de um terço, dos casos estimados. Já o segundo grupo com maior participação nestes casos variou de acordo com a região do planeta. Os fatores ambientais, que além do saneamento deficiente incluem fontes de água de má qualidade e exposição a poluentes pelo uso de combustíveis fósseis no ambiente doméstico para cozinhar ou aquecimento, levaram ao atraso no desenvolvimento de mais crianças no Sul e Leste da Ásia, Pacífico e África Subsaariana, enquanto na Ásia Central, América Latina, Caribe, Norte da África e Oriente Médio a desnutrição e doenças na infância, em especial a diarreia, tiveram um peso maior.

– Estes resultados enfatizam a importância de intervenções precoces antes e durante a gravidez, especialmente nos esforços para atacar a desnutrição – destaca Goodarz Danaei, professor da Escola de Saúde Pública T.H. Chan da Universidade de Harvard e líder do estudo, publicado esta semana no periódico científico on-line de acesso aberto “PLoS Medicine”. – Tais esforços, associados a melhorias no saneamento e redução da diarreia, preveniriam uma proporção substancial dos casos de atraso do desenvolvimento na infância nos países em desenvolvimento.

Danaei lembra ainda que além de uma questão de saúde pública, o atraso no desenvolvimento das crianças é mais um fardo econômico para países que já sofrem com a pobreza.

– Este é um problema sério em todos os níveis, do pessoal ao nacional – diz. – O crescimento titubeante no início da vida está fortemente ligado a prejuízos nas conquistas educacionais e ao imenso custo do potencial humano não alcançado no mundo em desenvolvimento. O atraso no desenvolvimento mina a produtividade econômica, o que por sua vez limita o desenvolvimento dos países de baixa renda.

Presidente do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a neuropediatra Liubiana Arantes de Araújo Regazzoni avalia que na verdade o estudo acabou por identificar um somatório de fatores que levam ao atraso no desenvolvimento das crianças sob a rubrica de restrição de crescimento do feto, inclusive alguns que ficaram nos outros quatro grandes grupos apontados na pesquisa.

– Na grande maioria dos casos, o atraso no crescimento é multifatorial, não dá para falar em um ou outro fator isolado – explica. – São ciclos viciosos de fatores inter-relacionados. A gravidez na adolescência, por exemplo, pode levar a uma rejeição da criança, o que se traduzirá em um pré-natal tardio, e a falta de um acompanhamento satisfatório da gravidez põe o feto em risco, podendo prejudicar seu crescimento.

Liubiana também ressalta que embora o estudo tenha focado na estatura como marcador do atraso no desenvolvimento, normalmente estas avaliações também devem levar em conta o perímetro cefálico (da cabeça), indicativo do crescimento do cérebro. Assim, o problema vai muito além de ser uma questão, com impactos no desenvolvimento cognitivo da criança.

– A estatura é o último parâmetro a sofrer a repercussão de um quadro de desnutrição crônica, e por isso é usada como marcador do atraso no desenvolvimento, inclusive do ponto de vista neurológico – aponta. – E isso, como mostra o estudo, pode ser observado mesmo dentro do útero, com o feto restringindo seu crescimento para priorizar o desenvolvimento de órgãos nobres, como o coração e, principalmente, o cérebro, que tem uma demanda metabólica muito grande.

Assim, não é à toa que a nova pesquisa se segue a outros dois grandes estudos conduzidos pelo mesmo grupo divulgados este ano. No primeiro, também publicado no periódico “PLoS Medicine” em junho, os cientistas verificaram que um terço das crianças de três e quatro anos dos países de renda média e baixa não atinge marcas básicas de avaliação do seu desenvolvimento cognitivo e/ou sócio-emocional. Já o segundo, publicado no mesmo mês no periódico “The American Journal of Clinical Nutrition”, contabilizou os prejuízos trazidos pelo problema a estes países, que atingem o montante de US$ 177 bilhões anuais, com a perda de 69 milhões de anos de conquistas escolares.

Já para Fernando Barros, pesquisador de epidemiologia da saúde infantil na Universidade Federal de Pelotas e integrante da comissão de epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), mais do que identificar fatores de risco do atraso no desenvolvimento, o estudo verificou a abrangência do próprio problema.

– É evidente que uma criança que já é desnutrida no útero tem grandes chances de continuar desnutrida em vida – resume.