fonte: O Globo

Paciente há mais de três décadas do Hospital Clementino Fraga Filho, o maior da UFRJ, a dona de casa Conceição Áurea Pereira, de 64 anos, esteve semana passada no Fundão. Ela tenta fazer uma cirurgia de catarata desde 2014. Ora falta material, ora tem alguém na frente. Na última ida à unidade, Conceição ouviu que precisará continuar aguardando, enquanto vai perdendo a visão.

É dura a realidade de quem busca os hospitais federais universitários do Rio, ligados ao Ministério da Educação (MEC). Dados do Ministério da Saúde revelam que as dez unidades do MEC tiveram, juntas, queda de 32% nos atendimentos ambulatoriais e cirúrgicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2010 e 2017. Ou seja, cerca de um milhão de consultas, exames e internações a menos. Se a comparação for feita com 2008, o índice é ainda maior: 45,7%. Ao mesmo tempo, as despesas dessas instituições, descontando a inflação, cresceram 10% entre 2010 e 2017. Um sinal, de acordo com especialistas, de que o modelo de gestão é inadequado.

— Minha mãe está enxergando tão mal que não pode mais andar sozinha. A saúde está muito precária. A gente trabalha, paga imposto aqui e ali,enada—lamentaMartina Pereira, filha de Conceição. São da UFRJ oito dos dez hospitais universitários do Rio. Desses oito, só a Maternidade Escola e o Instituto de Ginecologia aumentaram de produção pelo SUS. O Clementino Fraga, que chegou a fazer cerca de 1,3 milhão de atendimentos em 2008, viu sua produção cair para 1,1 milhão em 2010 e despencar para 526 mil no ano passado. Com sérios problemas estruturais, o gigante de 13 andares agoniza. O cenário é formado por infiltrações, elevadores enguiçados e sem botões, janelas quebradas e tetos danificados. A precariedade dos elevadores faz com que funcionários e pacientes do Clementino Fraga, mesmo os que andam com dificuldade, optem pela escadas. Partes do prédio estão abandonadas. O 11° andar virou depósito de macas e outros materiais sem uso.

— Às vezes, faltam medicamentos para pacientes e fazemos vaquinha para comprá-los. E há enfermarias fechadas — conta uma aluna de medicina da UFRJ. Fátima Gomes, que acompanha um amigo portador de doença crônica, conta que ele precisou ser socorrido na emergência (que só atende pacientes da unidade) e passou 24 horas numa cadeira à espera da internação.

— E a família precisou providenciar roupa de cama e travesseiro —diz Fátima. Segundo o defensor público federal Daniel Macedo, “o Clementino Fraga está sendo asfixiado”. No ano passado, ele recebeu uma relação nominal que tinha requisitado e constatou que havia mais de mil pacientes em filas internas. Depois de analisar os hospitais federais do Ministério da Saúde, Macedo deu início a uma investigação das unidades de saúde do MEC:

—Os hospitais universitários são os piores da rede federal. Os outros têm verbas orçamentárias. Os do MEC dependem basicamente da produção do SUS.

POUCOS INVESTIMENTOS

Números da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados e do Sistema de Administração Financeira (Siaf ) revelam que, de 2010 a 2017, as despesas feitas pelas dez unidades passaram de R$ 1,09 bilhão para R$ 1,2 bilhão. Dos gastos do ano passado, 75,1% foram referentes a pessoal, 23,6% a custeio e só 1,3% a investimentos. E aí não estão despesas com cerca de mil funcionários (extra quadro) da UFRJ, além de vigilância, segurança, luz, água e internet, arcadas pela universidade.

O pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento da UFRJ, Roberto Gambine, alega que a folha de pessoal — que, além dos servidores ativos, inclui aposentados e pensionistas — não é passível de interferência da universidade, sendo a sua execução obrigatória. Quanto à produção, a UFRJ argumenta que seus hospitais, por serem universitários, fazem procedimentos não incluídos nos registros do SUS. Cita alguns incorporados à rotina de pesquisa do Clementino Fraga, como densitometria óssea, ecoendoscopia e exames de tuberculose multirresistente.

O diretor do Hospital Escola São Francisco de Assis (UFRJ), Roberto Leal, lamenta a queda nos investimentos. Com obras que se arrastam desde 2002, parte da unidade, que é tombada, está desativada. Desde 2001, o hospital não interna, e há ambulatórios dentro de contêineres.

Em Niterói, o Antônio Pedro, da UFF, chegou a fazer mais de um milhão de atendimentos em 2008. Em 2017, fez787mil,maisqueem2016. No ano passado, a unidade passou a ser gerida pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), estatal ligada ao MEC. O Gaffrée e Guinle,queficanaTijucaeéligadoàUniRio,tambémaderiu à Ebserh em 2016, e melhorou a produção em 2017. O diretor Fernando Ferry comemora a chegada de pessoal, a reabertura de três enfermarias e uma nova maternidade.