fonte: O Globo

A saúde, maior preocupação declarada dos brasileiros em pesquisas e o segundo maior orçamento da União (R$ 130,8 bilhões este ano), permanece uma incógnita. Em seu plano de governo e em entrevistas e posts nas redes sociais, o presidente eleito Jair Bolsonaro propôs medidas genéricas.

Na essência, a afirmação de não aumentar os recursos, porém fazer mais com a melhoria na gestão e o combate da corrupção. O governo eleito pretenderia investir, num primeiro momento, em auditorias e levantamento detalhado de dados para identificar onde há subfinanciamento, mas também onde há desperdícios, segundo colaboradores da campanha.

Faltou apresentar um plano estruturado, que contemplasse urgências nacionais na área, destaca Ligia Bahia, coautora de análise das propostas sobre saúde dos candidatos à Presidência. Para ela, estas são uma solução consolidada para a crise do Sistema Único de Saúde (SUS), do qual dependem 75% dos brasileiros, e o combate da chamada tripla carga do Brasil, única no mundo.

A tripla carga se refere ao fato de o Brasil sofrer simultaneamente com as doenças infecciosas dos países pobres, a exemplo de zika, dengue e hanseníase; com as doenças crônicas do mundo desenvolvido (diabetes e câncer, por exemplo) e enfrentar uma epidemia de vítimas da violência (no trânsito e armada). Não se sabe qual será a orientação para essas áreas.

— A tripla carga é prioridade absoluta e não foi dita ou escrita uma só linha sobre isso — afirma Bahia, professora do programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da UFRJ.

Obesidade infantil

Ela diz que há uma tsunami de obesidade infantil se formando no Brasil e não será com a inclusão de professores de educação física no Programa Saúde da Família e o treinamento de agentes comunitários para que possam “auxiliar o controle de doenças frequentes, como diabetes e hipertensão”, segundo prevê o plano de governo sobre a política de promoção da saúde, que se resolverá o problema.

Outra emergência é o atendimento de pacientes com câncer, hoje a segunda causa de morte e que caminha para se tornar a primeira em 2025, à medida que a população envelhece. Cada vez mais caro e frequente, o câncer é um dos grandes gargalos do SUS.

Carlos Gadelha, pesquisador da relação entre saúde e desenvolvimento da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, considera ser um erro afirmar que o SUS tem recursos suficientes. Ele destaca que o Brasil gasta US$ 400 em saúde por habitante. Isso é 60% do que gasta a Argentina e 10% do que destina a França, com paridade dos preços internacionais. É equivalente ao gasto da Namíbia.

Em seu plano de governo, Bolsonaro prometeu instituir um prontuário eletrônico nacional, onde os dados de um paciente estariam disponíveis em qualquer unidade de saúde; permitir o credenciamento universal dos médicos (qualquer médico poderia atender pelo SUS) e criar a carreira de médico de estado. Nenhuma das medidas é nova. Porém, todas têm custos elevados e não se disse de onde sairão os recursos já que o orçamento deverá ser o mesmo.

— São incoerências. Fala-se em não gastar mais e se apresentam ideias custosas. Os recursos obtidos com o combate da má gestão e da corrupção não cobrirão essa diferença porque os gastos com saúde num país de tripla carga só crescem. Não existe milagre e saúde custa muito caro — diz.