2014-730223073-2014070217486.jpg_20140702-2fonte: O Globo

A história é quase sempre a mesma. Depois de décadas lutando contra a obesidade que começa ainda na infância ou na pré-adolescência, a cirurgia bariátrica surge como uma solução drástica (e aparentemente milagrosa) para o problema de adultos entre 18 e 34 anos. Mais do que perder, esses jovens, que todos os dias são martelados com a pressão social para exibir corpos sarados, têm dificuldade em manter o numeral no mostrador da balança sob controle. De 2003 a 2013, o número de cirurgias bariátricas, em todas as idades, saltou de 16 mil para 80 mil no Brasil — menos de 10% pelo Sistema Único de Saúde. Hoje, o país é o segundo no ranking, atrás apenas dos EUA, que fez 140 mil intervenções em 2013, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM).

Esse crescimento se deu também entre os mais jovens, mas esses pacientes devem atentar a uma série de riscos específicos de sua faixa etária. Marina Góes, de 26 anos, teve três grandes perdas de peso em um intervalo de oito anos: 30 kg, 40 kg e até 50 kg. Na última vitória, após perder os 50 kg com dieta rígida e corridas diárias, ela, aos poucos, chegou aos 107 kg no ano passado. E começou a avaliar a possibilidade de uma intervenção cirúrgica. Há três semanas, se submeteu ao bypass gástrico.

— Existe essa ideia de que jovens não devem recorrer a medidas agressivas, de que há tempo para buscar soluções mais leves. Mas eu não estava conseguindo vencer o problema sozinha — comenta Marina, que, consciente dos riscos da operação, estava resistente.

— Eu fui à minha primeira consulta com o cirurgião com muitas dúvidas, mas ele disse algo que ficou na minha cabeça: “Por que vou deixar você sofrer mais 15 anos para te operar com 40, se eu posso fazer isso agora, enquanto você é jovem, saudável, pode se recuperar mais rapidamente e ter mais 15 anos de alegria em vez de tristeza?”.

RECUPERAÇÃO DIFÍCIL

Decisão tomada, cirurgia feita, a jovem editora de e-books sabe que a recuperação não é nada fácil. Na primeira semana, apenas líquidos são permitidos na dieta, de 30 em 30 minutos. A disciplina precisa ser espartana. A reintrodução de alimentos é feita muito lentamente — ainda há as fases das sopas, das pastas e dos purês — e, só depois de seis meses, se tudo tiver dado certo, o paciente passa a ter um cardápio mais variado. Mesmo assim, a alimentação do bariátrico nunca mais será a mesma. Com o estômago e o intestino reduzidos, ele não terá mais a capacidade de ingerir grandes quantidades de comida (a capacidade média é de 250g) e poderá ter rejeição a alguns alimentos, principalmente os gordurosos ou com açúcar.

Tomar vitaminas diariamente e fazer exames periódicos também viram parte da rotina, e enjoo e diarreia podem se tornar comuns. Por isso, é muito importante que o candidato assista ao maior número possível de palestras sobre o tema, converse com pessoas que já passaram pelo procedimento e faça sessões regulares de terapia, pois a cirurgia é só o primeiro passo. Marina, que já perdeu 12 quilos, está cautelosa.

— Conheço gente que um ano depois da bariátrica engordou de novo. Acho que por isso não tive coragem de jogar minhas roupas no lixo.

Como o especialista que cuidou de Marina, boa parte dos médicos defende que, para pacientes com Índice de Massa Corporal (IMC) maior que 35, histórico familiar e pessoal de obesidade, que não conseguiram emagrecer com exercícios e reeducação alimentar, não há porque esperar a idade avançar e trazer outras doenças, como depressão e hipertensão. Outros acham isso extremamente discutível, já que, uma vez magro, o jovem quer curtir a vida e negligencia a fase final do pós-operatório, que dura dois anos.

— Nessa faixa de 18 a 34 anos tenho alguns casos de reganho de peso, pacientes de 140 kg que chegaram a 60 kg, 70 kg, mas após a fase crítica abandonaram o tratamento e voltaram a comer como antes, engordaram mais do que antes — alerta o endocrinologista Pedro Assed, pesquisador do Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares (Gota) do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (Iede). — Em jovens obesos sem outras doenças a cirurgia acaba sendo o caminho mais rápido — acredita.

ALTAS EXPECTATIVAS SOCIAIS

Dados da SBCBM mostram que as chances de reganho de peso são de 10% a 15%. O psiquiatra José Carlos Appolinário, coordenador do Gota, diz que entre os mais jovens a questão da autoimagem é enfatizada e a expectativa social com os resultados da cirurgia é enorme. Mas não há mágica.

— Dependendo da velocidade da perda de peso, a absorção de gordura é irregular, causando dobras cutâneas. Os profissionais que acompanham o jovem no programa têm que prepará-lo para isso — afirma.

A chef de cozinha Luanna Menezes, de 26 anos, fez a cirurgia há um ano e seis meses e quase caiu numa dessas armadilhas. Depois de perder mais de 70 kg graças ao procedimento de bypass gástrico, ela chegou a recuperar 10 kg.

— Me assustei e vi que não poderia pôr todo o esforço em risco. Então entrei para a academia, cortei os doces e mudei minha cabeça completamente — lembra Luanna. — Tenho um amigo que perdeu 70 kg e já recuperou 33 kg, porque não se policia, continua comendo mal e bebendo bastante. Isso prova que o resultado da cirurgia depende 100% de você.

Obesa e fumante, Luanna optou pela cirurgia porque estava hipertensa, beirando o diabetes e com dores na coluna. Hoje ela leva uma vida regrada, com dieta balanceada, se alimentando de três em três horas, e com pelo menos uma hora de exercícios todos os dias. Luanna também teve que parar de fumar para fazer a cirurgia e manteve o novo estilo de vida. O resultado é espantoso: a dona do restaurante Panela Furada, em Niterói, tem, agora, um percentual pequeno de gordura no corpo e pesa 66 kg.

Quase um ano após a cirurgia bariátrica, o fotógrafo David Argentino ainda tem dúvidas na hora de classificar seu caso como um sucesso. Os quilos perdidos foram muitos: 40. Mas sua qualidade de vida está muito aquém da esperada, já que, desde dezembro, sente uma dor crônica no estômago, enjoo e dores de cabeça frequentes. Algumas endoscopias, tomografias e consultas médicas depois, David terá que fazer uma nova cirurgia laparoscópica para tentar descobrir a origem do desconforto.

— Meu conselho para quem quer fazer a cirurgia é: se não é uma emergência, pense muito antes de ir até o fim — recomenda. — É importante saber que as consequências variam de sentir enjoo até morrer, mas entre esses dois extremos muitos problemas podem acontecer.

Ele faz questão de manter a vida social agitada, mas como fotógrafo do coletivo I Hate Flash, que cobre noitadas, seu trabalho está limitado. David não pôde viajar ao Lollapalooza, realizado em São Paulo em abril, por conta das dores, por exemplo.

De acordo com o presidente da SBCBM, Almino Ramos, as dores podem ocorrer quando a nutrição não é adequada. Complicações decorrentes da cirurgia, como sangramentos ou infecções, acontecem em de 2% a 3% dos casos. As chances de complicação são de 0,2%.

— Comer e passar mal é a forma de a cirurgia avisar que a pessoa está comendo errado e, se continuar, pode voltar a ganhar peso — alerta.

Em muitos momentos, David vibra por poder comprar uma roupa bacana; em outros, desanima.

— A maioria de pessoas jovens opta pela cirurgia por uma questão estética. E eu reconheço que esse foi o principal fator para mim — analisa. — Por enquanto, o balanço é positivo, mas só o tempo vai dizer se vou me arrepender.

SAIBA MAIS

Bypass gástrico

A cirurgia retira uma parte do fundo gástrico, onde é produzida grelina, o hormônio da fome. Essa parte do estômago é costurada ao íleo, a parte final do intestino delgado, deixando uma alça intestinal de absorção de1 metro e um reservatório de 50 ml a 100 ml no estômago.

Pré-requisitos

Pessoas com obesidade grau 3 e IMC maior que 140 ou com obesidade grau 2, IMC entre 135 e 140 com doenças associadas. Todas devem já ter tentado outros métodos por dois anos.

Idade

Há dois anos o Ministério da Saúde reduziu a idade mínima de 18 para 16 anos, mas entre 16 e 18 anos a autorização dos pais e do Conselho Regional de Medicina é obrigatória.