fonte: Folha de SP

por Ricardo Paes de Barros

O projeto de lei nº 6.998/2013, enviado para votação do Senado, é um marco importante para ampliação de programas voltados para a primeira infância, período de vida que vai da gestação aos 6 anos. Cabe agora aos representantes dos Estados dizerem sim ou não a uma legislação em total consonância com evidências científicas e que muito irá contribuir para quebrar o círculo de perpetuação da desigualdade social.

Um exemplo simples do impacto de políticas públicas na vida dessas crianças é ressaltado no estudo realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, que avaliou o impacto das creches de tempo integral na evolução da criança e da família na cidade do Rio de Janeiro.

A análise apontou aumento de 25% na renda familiar proveniente do trabalho, mais gastos com comida e bens duráveis, além de maior frequência de estímulos, como a leitura em casa.

O Marco Legal da Primeira Infância traz mudanças significativas na maneira de pensar as políticas públicas para a criança pequena e coloca em evidência um período de vida muito negligenciado do ponto de vista de investimento e de prioridade.

O PL estabelece a criação de uma política nacional para a primeira infância e a criação de um Comitê Interministerial Nacional para planejar, monitorar e avaliar as ações nacionais, o que garantirá a otimização dos recursos.

Ter um sistema de monitoramento é essencial para identificar em que medida os direitos da criança estão sendo efetivamente garantidos ou que grupos sociais têm sido negligenciados; quais as necessidades e os impedimentos ao pleno desenvolvimento de cada grupo, de cada comunidade e de cada criança.

Fica, portanto, mais fácil adequar as ações públicas às efetivas necessidades da primeira infância e garantir que esses programas cheguem prioritariamente aos mais vulneráveis.

Uma atualização inovadora e de extrema importância para o pleno desenvolvimento infantil, que está prevista na nova legislação, é a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para atuação com a primeira infância, ou seja, garantirá a cada criança o seu direito ao pleno desenvolvimento, com serviços integrados e intersetoriais.

Existe hoje uma necessidade de se estabelecer serviços de atenção que pensem a criança de maneira integral e integrada, desde o seu acompanhamento durante a gravidez até a alimentação e nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família, a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, a proteção frente a toda forma de violência, bem como a prevenção de acidentes.

Outro ponto importante é a exigência de uma capacitação específica sobre desenvolvimento infantil dos profissionais que trabalham com crianças pequenas. Atualmente, os cursos de pedagogia não possuem disciplinas voltadas para essa faixa etária, que é específica e tem necessidades muito peculiares.

Com a aprovação do Plano Nacional da Educação, em 2014, com metas específicas para creches e pré-escola, pensar a qualidade desses serviços, além da estrutura, passa também por repensar o currículo dos profissionais.

É importante ressaltar que a elaboração do projeto de lei, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), baseou-se em evidências científicas que têm demonstrado a importância de se investir na primeira infância como forma eficiente de garantir igualdade de oportunidades, quebrando o círculo de pobreza.

Pois é exatamente nesta fase que acontece 70% do desenvolvimento cerebral, quando boa parte das habilidades (motoras, cognitivas e socioemocionais) é adquirida, o que irá refletir no desempenho e no desenvolvimento dos anos seguintes e, em alguns aspectos, terá forte impacto na vida adulta.

Neste contexto, o engajamento da sociedade civil será imprescindível para garantir a aprovação de uma legislação atual, que contribua para a mudança do eixo do desenvolvimento humano, econômico e social no país.

Sua aprovação vai abarcar as conquistas realizadas até o momento e alavancar os inúmeros projetos que já formam lideranças e profissionais preocupados com a questão e já mobilizam comunidades pelo país, que vêm cobrando das autoridades mais empenho neste caminho.

RICARDO PAES DE BARROS é coordenador do Núcleo Ciência pela Educação no Insper, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor da cátedra Instituto Ayrton Senna