estatinafonte: Folha de SP

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ROBERTO KALIL FILHO é professor titular da Faculdade de Medicina da USP, diretor geral do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês

RAUL D. SANTOS é professor associado da Faculdade de Medicina da USP, diretor da unidade de lípides do InCor e assessor do Centro de Medicina Preventiva e do Hospital Israelita Albert Einstein, presidente eleito da Soc. Internacional de Aterosclerose

As doenças cardiovasculares são a causa principal de morte no Brasil. Elas são, na maioria das vezes, causadas pela combinação de fatores de risco como a hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, obesidade e colesterol alto no sangue.

Como forma de prevenção dessas doenças e redução da mortalidade, as estatinas (drogas como a sinvastatina a atorvastatina e a rosuvastatina dentre outras) são usadas no país desde a década de 1980 por milhões de indivíduos com colesterol elevado.

O papel protetor das estatinas, que vivenciamos no dia a dia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, foi demonstrado em robustos estudos que incluíram mais de 170 mil indivíduos com variados fatores de risco para a doença cardiovascular.

Recentemente a revista britânica de alto prestígio “The Lancet” publicou um extenso e complexo artigo sobre os benefícios e efeitos colaterais das estatinas.

Como todo tratamento preventivo na cardiologia, seu benefício demonstrou ser proporcional ao grau de risco de eventos cardiovasculares. Indivíduos de maior risco, como os que já apresentaram um problema cardiovascular ou aqueles com vários fatores de risco, têm o maior benefício.

É sabido que os benefícios das estatinas decorrem principalmente de sua capacidade em baixar o LDL-colesterol do sangue, apesar da existência de outros efeitos desses medicamentos.

Os estudos mostram claramente que uma diminuição do LDL-colesterol de 80 mg/dL é altamente eficiente para proteger o sistema cardiovascular principalmente de pessoas com doença cardíaca prévia, reduzindo a ocorrência de infartos, acidentes vasculares cerebrais isquêmicos (AVC) e morte. Evidentemente, todo tratamento pode ter efeitos colaterais.

Assim ocorre com as estatinas, que podem ocasionar miopatia (caracterizada por sintomas musculares como fraqueza ou aumento importante de enzimas musculares), dores musculares, diabetes (este último em pessoas previamente predispostas a esta doença) e um baixíssimo número de casos de sangramento cerebral.

Não há evidência alguma que estatinas causem câncer. Pelo contrário, há algumas evidências iniciais que sugerem menor incidência e menor gravidade das neoplasias em pacientes usuários de estatinas.

MATEMÁTICA

Uma simples aritmética mostra claramente que o benefício supera em muito os riscos do tratamento e que as estatinas prolongam a vida quando bem indicadas.

O medo dos efeitos colaterais desses medicamentos e sua suspensão, secundários à descrença sobre o papel do colesterol como causa da aterosclerose, dogma dos chamados céticos do colesterol, pode causar efeitos colaterais graves como 25% mais chance de se ter um infarto do miocárdio, e 18% mais chance de morte, como mostrado em um estudo realizado na Escandinávia.

Para cada milhão de pessoas que se tratam com estatinas, haveria anualmente 100 casos de miopatia. Ao mesmo tempo, 20 mil casos anuais de eventos vasculares como AVC e infarto são evitados em indivíduos no mesmo número de usuários dos medicamentos.

Isso sem contar que vários casos de miopatia talvez não tenham relação causal com o uso de estatinas. Obviamente as estatinas devem ser prescritas após uma extensa avaliação do risco de problemas cardiovasculares, e mantidas continuamente, pois o benefício será proporcional ao tempo de seu uso. Uma boa notícia é que em nosso país todas as estatinas são genéricas e pelo menos duas delas são fornecidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

NOVAS DROGAS

Para os verdadeiros intolerantes a esses fármacos, e para aqueles com gravíssimos problemas genéticos como no caso da hipercolesterolemia familiar, quando já se nasce com colesterol extremamente alto, uma nova classe de anticorpos monoclonais para baixar o colesterol foi recentemente aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Tratam-se de moléculas que atacam o alvo molecular PCSK9, impedindo que ele prejudique a remoção do LDL-colesterol da corrente sanguínea por células do fígado.

Contudo, além dos elevados custos, esses novos fármacos precisam ainda percorrer um grande percurso para mostrarem-se superiores às estatinas na prevenção das doenças cardiovasculares e em sua segurança.