fonte: Estadão

Levantamento com base em dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostra que planos de saúde empresariais com menos de 30 pessoas – os chamados “falsos coletivos” – já são quase 10% do mercado. Em 2016, essa modalidade atraiu 4,54 milhões de clientes no País. O fenômeno vem acompanhado do aumento do valor pago pelos usuários. De 520 empresas que oferecem a modalidade, 206 (40%) tiveram em 2016 reajuste acima do teto fixado pela ANS para planos individuais, o que atingiu mais de 3,5 milhões de clientes.

A análise foi conduzida pelo professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Mário Scheffer. “Os números deixam claro que a estratégia adotada pela ANS para tentar evitar os abusos nos aumentos de coletivos com menos de 30 pessoas não deu em nada”, afirma Scheffer. No levantamento, duas empresas apresentaram média de reajuste da mensalidade de 50,7%.

O acesso a planos coletivos de até 30 pessoas deve crescer. De olho na mudança do mercado de trabalho e com a perspectiva de redução de empregos que ofereçam planos de saúde a funcionários, a ANS abriu consulta pública para facilitar a adesão da população a planos empresariais. A proposta permite criar planos para só uma pessoa, se comprovada a existência de empresa há ao menos seis meses. Aprovada, a mudança vai socorrer as operadoras, que temem redução do mercado, e ajudar a sepultar de vez a oferta de planos individuais. Em março, eles não chegavam nem a 9,5 mil, menos de 20% do mercado.

Vistos inicialmente como alternativa para a drástica redução da oferta de planos individuais, os “falsos coletivos” oferecem frágil proteção a consumidores, na avaliação de especialistas. Passado um ano do contrato, ele pode ser rescindido a critério da operadora. O reajuste da mensalidade, após o ano de aniversário, também é livre, diferentemente do contrato individual, em que aumentos têm teto fixado pela ANS.

“Os reflexos dessa mudança no mercado, com o aumento de planos coletivos, estão estampados na disparada de ações na Justiça”, observa Scheffer. A análise dos números da ANS mostra ainda que boa parte dos contratos reúne número pequeno de consumidores. Em média, são cinco em cada plano.

Muitos dos contratos são feitos por aqueles que, diante da falta de oferta de planos individuais, abrem empresas só para acessar a assistência suplementar. O Estado telefonou para corretoras em busca de planos de saúde. Uma delas sugeriu abrir empresa no interior paulista, o que reduziria a mensalidade, quando comparado com Brasília. “Bastam três pessoas”, dizia a atendente. Para facilitar, a corretora ofereceu até mesmo serviços de contador, que trabalharia para abrir a empresa. O valor seria de R$ 600, mais taxa mensal de administração.

Debate

Para a advogada Renata Vilhena, especialista em saúde suplementar, a proposta de planos empresariais individuais é um jeito de burlar a lei que regula o setor. “Serve apenas para liberar o reajuste de planos individuais, que passam a ter outra nomenclatura.” O ideal, para ela, seria a ANS criar mecanismos para garantir a oferta de planos individuais.

Mas também há elogios. “O empreendedor brasileiro é individual. É o vendedor do carro de cachorro-quente. Restringir acesso a plano de saúde para esse grupo não é certo”, diz Pedro Ramos, da Associação Brasileira de Planos de Saúde.

A ANS, por nota, afirmou que a resolução em consulta pública para regulamentar o plano coletivo empresarial por empresário individual tem por objetivo dar mais segurança jurídica à relação e impedir a contratação de planos por pessoas que constituem empresas só para esse fim. Segundo a agência, a ideia é alinhar a regulação com a realidade econômico-social do País.

Preço explode quando grupo mais precisa

O microempresário da área de alimentos Sebastião do Nascimento compara a relação com planos de saúde com um casamento infeliz. “No começo é ‘meu bem para cá, meu bem para lá’. Depois, quando a coisa aperta, a coisa muda para ‘meus bens para cá, mens bens para lá’.” Há seis anos, diante da dificuldade em contratar um plano individual, o empresário fez um contrato de plano empresarial para ele e outras 14 pessoas, entre funcionários de sua empresa e parentes.

“Nos primeiros anos, tudo correu como esperado. Mas também não usávamos o plano. Era uma consulta aqui, um exame ali”, recorda. A situação mudou quando um dos integrantes do grupo precisou fazer uma cirurgia de hérnia. “Já tinha ouvido sobre o risco de aumento de preços quando uma das pessoas adoece. Mas essa cirurgia é tão simples, não imaginava que seria assim.” A confirmação veio em abril, com reajuste de 27%.

“O interessante é que as operadoras, às vezes, atribuem o aumento da mensalidade à elevação dos gastos em saúde”, diz a advogada Renata Vilhena. Uma das estratégias usadas pela advogada, nos casos em que defende, é justamente pedir para que as empresas comprovem o aumento. “Os dados nunca são repassados.”

Já a presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar, Solange Beatriz Mendes, elogia o formato proposto pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mas defende clareza na venda dos planos. “As principais características do contrato devem ser informadas. A regra do cálculo do aumento, as normas de rescisão com novos contratantes.”

Regra frouxa afeta contrato de adesão

Outra modalidade de planos coletivos é o por adesão, em que pessoas jurídicas de caráter profissional ou associações contratam, via administradora de benefícios, planos de saúde. O mercado, porém, tem uma série de associações pouco expressivas vinculadas a essas administradoras para facilitar a adesão de pessoas interessadas nos planos de saúde, mas que não reúnem condições para ingressar em uma associação.

De pouca representatividade, muitas das organizações cobram mensalidades simbólicas, de até R$ 10 mensais, e apresentam como maior atração só a oportunidade de entrar em um plano de adesão.

Assim como os planos empresariais de até 30 pessoas, os planos por adesão podem ser rescindidos unilateralmente após o primeiro ano de aniversário e suas mensalidades não seguem o teto fixado pela ANS.

“Não há critérios para esses aumentos. Muitas vezes, quem dita o porcentual do reajuste são as próprias operadoras de benefícios, que acabam controlando parte do mercado”, diz a advogada Renata Vilhena, especializada em planos de saúde.

A ANS afirma ser responsabilidade da operadora de planos ou da administradora aferir se a associação tem legitimidade para contratar planos.