fonte: Folha de SP

Neste domingo (8), ia escrever sobre o prêmio Nobel de Física, entregue aos três cientistas que lideraram a descoberta das ondas gravitacionais. Mas dado o desastroso corte no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação de 44% neste ano, e outro de 15,5% previsto para 2018, o prêmio Nobel vai ter que esperar até semana que vem.

Recebi a notícia e acompanhei a mídia boquiaberto. Como que, em 2017, um governo de um país de mais de 200 milhões de habitantes toma uma decisão dessas? Não é óbvio, dado o cenário econômico internacional, que o presente e o futuro do desenvolvimento de uma nação que se vê competitiva depende de forma absolutamente essencial de sua produção científica?

A verba disponibilizada para a pasta do ministério é de R$ 3,2 bilhões, em torno de um terço do orçamento de quatro anos atrás. Em 2018, cai para R$ 2,7 bilhões. Ou seja, o plano do governo é desmantelar a produtividade científica do país, selando seu futuro no seu passado: uma nação extrativista, retrógrada, que baseia sua economia na agropecuária e mineração, não na criação de novas tecnologias.

Verdade que existe muita ciência na agropecuária, na mineração e na exploração do petróleo, e o Brasil tem excelentes profissionais nessas áreas. A Petrobras é líder mundial na exploração de águas profundas, o que requer ciência de ponta. Mas falo aqui da economia emergente, do que vemos em empresas como Google, Tesla, SpaceX, Apple, Amazon, Samsung, LG, nas tecnologias aplicadas à medicina e farmacologia, a criação do futuro propriamente dito, da redefinição da realidade em que vivemos. Ou não vemos isso na nossa dependência total dos celulares e tecnologias digitais que transformaram de forma irreversível a sociedade, criando novos empregos que não existiam 10 anos atrás e começando a extinguir outros tantos?

Cortes no orçamento científico têm um impacto que os que seus autores não entendem. Projetos complexos, que levam anos para serem realizados e para começar a dar frutos, têm de ser abandonados. Para eles, a continuidade orçamentária é vital. Caso contrário, todo o tempo, expertise e investimento vai para o lixo.

Enquanto coreanos, japoneses, alemães, franceses, ingleses, chineses, indianos estão correndo cada vez mais em direção ao futuro tecnológico digital, o Brasil decide ir para trás, achando que essa solução vai resolver seus problemas orçamentários. Existem vários modos de se cortar a tora orçamentária da União, e a preferência certamente não deveria recair sobre a ciência.

Que exemplo damos aos jovens que veem a ciência como uma carreira futura, que querem fazer algo para melhorar a qualidade de vida da sociedade através da tecnologia? E os que nem sabem o que é ciência, e vão ficar ainda mais isolados daquilo que ocorre no resto do mundo desenvolvido, condenados a viver no Brasil do passado, um país que compra, mas não desenvolve suas tecnologias?

Historicamente, é um grande erro. Vide o que ocorreu com a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial com o Plano Marshall, quando o governo americano deu U$ 13 bilhões (equivalentes a U$ 132 bilhões atuais) para a reconstrução da Europa Ocidental. Ou como os japoneses entenderam que seu futuro dependia de sua emancipação tecnológica.

Talvez o melhor exemplo seja a Coreia do Sul. Após o fim da Guerra da Coreia, em 1953, o país era um dos mais pobres do mundo, com uma renda per capita de U$ 64, mais pobre do que o Congo. Houve uma infusão de fomento vinda dos EUA e do Japão, e, mais importante, um foco no treinamento de engenheiros e cientistas, as chamadas disciplinas CTEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática).

Os coreanos sabiam que para serem competitivos no mercado internacional tinham que criar uma classe de profissionais em tecnologia de primeira linha. O resultado é o que vemos hoje, com os celulares e outros aparelhos da Samsung e LG, os carros da Kia e da Hyundai, empresas que dependem essencialmente da inovação tecnológica.

Assisti, entristecido, aos depoimentos de grandes cientistas brasileiros na TV e nos jornais, lamentando a falta de visão do governo atual. O que podemos fazer?

Podemos lutar contra essa visão retrógrada, falar sobre ciência sempre que possível, da sua importância, do que os cientistas brasileiros estão fazendo, ir às escolas e contar para as crianças como ciência é incrível e divertida, votar em líderes políticos que entendem a importância da tecnologia na estabilidade econômica de uma grande nação.

Fora isso, devemos criar novos caminhos para o fomento à pesquisa que dependam mais da iniciativa privada e empresarial e menos do governo federal. Talvez seja hora de deixar o governo para trás antes que eles os façam, já que parece que esse é o plano que têm em mente.