fonte: O Globo

por Raphael Câmara Medeiros Parente, ginecologista da UFRJ

A crise na saúde do município do Rio é gravíssima e alcança níveis assustadores na saúde materna. Dados da prefeitura do Rio obtidos via Lei de Acesso à Informação indicam que a saúde materno-infantil piora desde 2015, e a taxa de mortalidade materna no Rio disparou de forma preocupante. Enquanto Coreia do Sul e Japão registram três mortes a cada cem mil nascidos vivos, o município do Rio passou, de 2015 a 2017, de 71 para 84 mortes maternas por cem mil nascidos vivos — 28 vezes as taxas japonesas. São níveis de países africanos pobres e piores que os de Coreia do Norte, Síria, Iraque, Quirguistão e o dobro de Cabo Verde, por exemplo.

O fenômeno é claramente relacionado à retirada de obstetras das consultas de pré-natal e dos partos pela prefeitura. Os patamares do Rio estão muito acima até da alta taxa de mortalidade brasileira — 60 mortes por cem mil. O que mais assusta é o aumento de 13 pontos nos últimos dois anos, sendo dez pontos apenas em 2017. No mesmo período, as consultas realizadas por obstetras caíram de um patamar já muito baixo, de 15%, para apenas 4%. Ou seja, em cada cem consultas de pré-natal da rede municipal de saúde, apenas quatro são feitas por obstetras!

A porcentagem não supre nem os pré-natais de alto risco, que variam de 10% a 20% das gestações, de mulheres hipertensas e diabéticas, que não conseguem ser atendidas por obstetras em toda a gravidez. Por vezes, nem médicos generalistas as examinam. É comum a gestante saber apenas que foi atendida por uma pessoa vestida de branco, não identificada pela graduação. As consultas realizadas pela enfermagem chegam atualmente à metade no pré-natal. As demais são feitas por médicos generalistas. Boa parte das consultas é conduzida por recém-formados contratados por organizações sociais — opção para baratear o atendimento —, sem supervisão contínua. Quem paga o preço, infelizmente com a própria vida, é a gestante de baixa renda.

Além do pré-natal, os partos feitos por obstetras na rede municipal caem ano a ano, o que coincide com o aumento da mortalidade materna. Os partos por enfermeiros subiram de menos de 18,7%, em 2015, para 23,3% em 2017. As cesarianas oscilaram para baixo no período, de 36% para 34,7%. Reportagens mostram casos trágicos de mães e bebês que morreram pela insistência no parto vaginal quando havia indicação de cesariana.

É necessário investigar relatos de médicos que dizem ser coagidos a cumprir metas baixas de cesarianas. Há penalidades para médicos e/ou organizações sociais que superam determinado percentual, e muitos não denunciam temendo retaliação. O real motivo dessas metas é a redução de custos, com mais partos sem obstetras.

É fundamental interromper a escalada de mortes maternas no Rio. Deve-se priorizar o bom atendimento e as consultas de pré-natal com obstetras e médicos de família qualificados para partos, selecionados por concursos públicos. Maternidades públicas não podem se tornar matadouros de gestantes pobres. Gravidez não é doença, mas uma grávida tem chance muito maior de morrer que uma não grávida da mesma idade. Precisamos tratá-las com o respeito que merecem e não voltar ao tempo de nossas bisavós, quando mortes por parto eram comuns.