fonte: Folha de SP

Uma pessoa na casa dos 20 anos já é adulta e deve ser tratada como tal, certo? Não na área oncológica. Especialistas estão olhando para as ocorrências de câncer em jovens adultos e adolescentes de forma especial, associando-os muitas vezes mais à área pediátrica do que à adulta.

Em comum estão tumores com rápida velocidade de multiplicação e mais sensíveis à quimioterapia. Linfomas, tumores ósseos e do sistema nervoso central e leucemia linfoide têm maior ocorrência em crianças e também jovens.

A faixa etária que compõe o grupo em questão —também conhecido como AYA (sigla em inglês para adolescentes e jovens adultos) — pode variar dependendo do local.

Segundo diretrizes recentes lançadas pela ONG NCCN (National Comprehensive Cancer Network), destinada a ensino, pesquisa e boas práticas relacionadas aos pacientes com câncer, o grupo vai  dos 15 aos 39 anos. Já centros oncológicos brasileiros ouvidos pela Folha fecham a idade em, no máximo, 29 anos.

Há uma série de motivos para olhar para o câncer dos AYAs de forma distinta.

Kenneth R. Cooke, diretor do centro destinado aos AYAs na Universidade Johns Hopkins, afirma que pesquisas têm mostrado que os pacientes AYA não têm os mesmos avanços positivos de grupos mais jovens ou mais velhos, o que requer um esforço maior para atacar o alvo.

Além disso, eles também estão, proporcionalmente, menos presentes em estudos clínicos, o que dificulta a percepção das particularidades de seus tipos de câncer.

“Pesquisas pelo mundo têm mostrado que tratar os pacientes AYA com regimes terapêuticos mais intensos e baseados na pediatria melhora as taxas de sobrevivência para uma série de tipos de câncer”, diz Cooke.

O Centro Infantil Boldrini de Campinas e o Hospital de Amor, antigo Hospital de Câncer de Barretos, estão entre as instituições brasileiras que já contam com estruturas destinadas aos AYA. O Boldrini, por exemplo, também dá suporte a preocupações relacionadas a vestibular e se planeja para ações de inserção profissional.

O A.C.Camargo Cancer Center está iniciando discussões para a implantação de um centro nessa linha.

“Esse grupo intermediário precisa ter uma atenção especial para suas necessidades, que são diferentes das de uma criança pequena ou de um idoso”, diz Cecília da Costa, líder da oncologia pediátrica do hospital. “É uma fase de muita atividade. Eles são ativos emocional e profissionalmente e de repente se veem com uma doença grave.”

Quando as dores na perna de Angel Almeida, 28, começaram, ela fazia faculdade, mas teve que abandonar os planos de carreira por causa dos tumores ósseos.

“Eu tinha uma vida ativa, estudava, trabalhava, tinha meu filho para cuidar, mas eu não vou deixar isso me abater”, disse ela, que no dia 1º de março teve que operar novos tumores, dessa vez do pulmão —o que faz com que sua fala seja interrompida por tosses. “Eu estou vivendo da melhor forma. Se você se entrega é pior.”

Angel teve sua cadeira de rodas e suas próteses doadas. A questão financeira também pode pesar para outros pacientes AYA, que normalmente ainda estão estudando ou em começo de carreira.

No Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira) também há discussões internas para um ambulatório voltado para jovens adultos, segundo Maria Diz, coordenadora de oncologia clínica do instituto.

“As rotinas usuais de prevenção não são necessariamente aplicáveis para esse grupo. Precisamos de um tratamento diferenciado”, afirma.

A questão da fertilidade é outro ponto a ser levado em conta, considerando que o tratamento do câncer pode levar à esterilidade.

Mas, mesmo com a possibilidade de ficar estéril, não é sempre que os adolescentes e jovens adultos optam por preservar óvulos ou sêmen, diz Silvia Brandalise, presidente e fundadora do Boldrini. O centro tem uma parceria com a Unicamp que facilita a conservação de material genético.

Segundo Sérgio Petrilli, professor da Unifesp e um dos fundadores do Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), os homens têm maior possibilidade de esterilidade com o tratamento e, após o início da terapia, a coleta do esperma já fica comprometida.

A questão é um ponto de discussão sensível. “É uma coisa que precisa ser decidida no minuto zero”, diz Petrilli. “Temos que discutir isso em um momento que é superdifícil, em que a pessoa acabou de receber o diagnóstico. Nem sempre é uma coisa que a família entende bem naquele momento.”


QUASE ADULTOS

Tipos de câncer pediátricos podem ser comuns também em adolescentes e jovens adultos

NOVO GRUPO

Hospitais começam a dar atenção especial a público que vai dos 15 aos 39 anos (dependendo da classificação e do caso)

DIFERENÇAS

Câncer de criança/adolescente

  • Decorrente de células jovens e pouco diferenciadas
  • Tem uma rápida velocidade de multiplicação
  • O câncer é mais sensível a quimioterapia (doses maiores podem ser administradas)
  • Casos comuns de câncer: linfomas, tumores ósseos, sistema nervoso central, leucemia linfoide

Câncer de adulto

  • Decorrentes de células mais maduras e diferenciadas
  • O crescimento do tumor é mais lento
  • Câncer menos sensível a quimioterapia
  • Casos comuns de câncer: mama, colorretal, tireoide, leucemia mieloide