fonte: O Globo

por Alfredo Guarischi, médico

Nos hospitais, nós, médicos, nos vestíamos com um uniforme branco completo e não usávamos gravatas ou carimbos. Com um estetoscópio e uma caneta, nossos principais instrumentos de trabalho, atendíamos nossos pacientes. Sim, os pacientes nos pertenciam.

Ao final do dia, trocávamos o uniforme no vestiário espaçoso. O sapato branco manchado de sangue ou secreções era cuidadosamente limpo, antes de ser guardado.

Atualmente na maioria dos hospitais não se exige o uniforme branco. Talvez pela mesma razão por que deixamos de trabalhar num único hospital, de usar o estetoscópio com mais frequência, de o carimbo ter passado a ser mais importante que nossa assinatura, porque o paciente não é mais nosso, e sim do sistema. Tristeza!

Jalecos com mangas compridas e com o brasão da instituição substituíram o branco tradicional, e médicos usam gravatas como nos seriados de TV norte-americanos.

Nos hospitais militares onde trabalhei os médicos continuam se vestindo de branco. Lá se vai meio século! Os jalecos são de manga curta, e o nome e a função do profissional estão no seu peito, do lado esquerdo – o do coração –, bordados ou numa discreta plaqueta. Não se usam crachás ou gravatas.

Nunca ouvi uma conversa sobre como as gravatas são higienizadas, mas sei que é um transtorno lavar as mãos, maneira mais simples de diminuir a infecção hospitalar, com jalecos de mangas vistosas. Além disso, já existem estudos científicos demonstrando que as gravatas podem carregar muitas bactérias, assim como as mangas compridas de jalecos. Ambas não são recomendadas em muitos hospitais.

A medicina não mudou, mas seu exercício sim, e para pior, como quando os exames complementares antecedem a primeira consulta médica. Para ser médico, continua sendo fundamental gostar de gente, saber ouvir e conversar longamente com o paciente antes de examiná-lo, enfim, desejar confortá-lo com um abraço. Esse pouquinho de atenção continua sendo mais importante do que relatórios impressos com inúmeras carimbadas burocráticas.

A veste não faz o monge, mas pode ajudar a identificá-lo. A roupa branca é como votos de fé e deve ser renovada com frequência. Isso não é apenas simbólico, é também uma questão de higiene.

Sou um médico ainda feliz, pois consigo abraçar meu paciente, mas preciso voltar a usar o antigo uniforme branco.