fonte: O Globo

por Alfredo Guarischi

Por ser médico e ex-aluno, recebi o honroso convite para dar meu depoimento sobre o tema “Por que ser médico” a uma turma de meninos do segundo-grau do Colégio de São Bento, do Rio de Janeiro. Voltei no tempo. Eu me senti em 1968, diante do vestibular mais concorrido do ensino superior.

Muita coisa mudou desde então, mas não o meu amor pela medicina e no tradicional colégio fundado por monges beneditinos em 1858.

Como eu, poucos daqueles alunos tinham parentes médicos. Para alguns, restavam dúvidas quanto à futura profissão, mas a maioria já estava decidida. Queriam se tornar profissionais que gostam de cuidar de pessoas. Sim, médicos, antes de tudo, devem gostar de gente.

Minha missão foi árdua, relatando os desmandos do sistema de saúde brasileiro, pela falta de ética de alguns gestores e a corrupção sistêmica; a atual realidade do subemprego, em parte decorrente da falácia de organizações que recebem do poder público, abandonam a população e pagam inadequadamente os profissionais; os planos de saúde que cobram o que querem e não entregam o contratado, porém sem deixar de gastar fortunas em publicidade e de buscarem inventar leis para receber dinheiro do SUS e financiar suas falsas promessas.

Havia dúvida de alguns alunos quanto à possibilidade de entrar numa faculdade. Foi fácil explicar que a chance deles é muito maior comparada com a de um estudante nos EUA, China ou Índia, pois a relação candidato-vaga é muito menor no Brasil, pelo exagerado número de escolas médicas, desproporcional ao de nossa população. Esse é o mais lucrativo negócio de ensino, por ser o mais longo curso (seis anos) e com mensalidade mais cara, variando entre R$ 7 mil a R$ 11 mil. Por isso, a cada ano, mais faculdades de medicina são criadas, em grande parte ligadas a políticos e grupos empresariais que, sem terem hospitais-escolas como determina a lei, têm a garantia de bolsas de estudo oferecidas pelo governo como forma de financiamento extra para esses negócios.

Ficou claro a todos que é fundamental estudar em uma faculdade reconhecida, sendo poucas as particulares que têm hospital-escola próprio, fazem pesquisa de ponta e são bem avaliadas por médicos atuantes. Além disso, o cenário atual nos obriga a enfrentar um articulado e perverso sistema voltado para o lucro e a falta de humanismo. A ética é o que vai unir a sociedade para derrotar os carteis existentes.

Emocionado, finalizei falando sobre a necessidade do compromisso do sigilo profissional; que a principal missão do médico é não fazer o mal – “primum non nocere”; que jamais deixem de estudar, mesmo perdendo noites de sono e finais de semana, e nunca tenham vergonha de demonstrar suas dúvidas.

O melhor de tudo, naquela ensolarada tarde de sexta-feira, foi que ninguém pediu para sair e a missão dada foi cumprida.

Bem-vindos calouros, precisamos de vocês!