fonte: O Globo

Drogas que ativam o sistema imunológico para combater o câncer permitiram a recuperação de muitas pessoas nos últimos anos, mas uma dessas drogas parece ter tido o efeito oposto em três pacientes com um tipo incomum de câncer no sangue que participavam de um estudo. Após uma única dose do tratamento, a doença piorou rapidamente, relataram os médicos em artigo publicado no periódico “The New England Journal of Medicine”.

Os casos são um lembrete de que a imunoterapia ainda está em seus primeiros dias e podem desencadear forças poderosas que ainda não são totalmente compreendidas. Pacientes e médicos estão ansiosos para testar novos tratamentos quando outras opções se esgotaram, mesmo para cânceres em que ainda não foram testados. Às vezes eles funcionam, mas podem sair pela culatra.

Os pacientes, tratados ano passado em diferentes hospitais, tinham leucemia/linfoma de células T do adulto, que é causado por um vírus. A droga era o nivolumab, ou Opdivo, que pertence a uma classe chamada inibidores de ponto de controle. Essas drogas custam mais de US$ 100 mil por ano. O nivolumab, produzido pela Bristol-Myers Squibb, foi aprovado para tratar oito tipos de câncer, mas não desse tipo de linfoma.

O vírus relacionado ao linfoma — HTLV-1 — infecta milhões de pessoas ao redor do mundo, com maior prevalência conhecida no Japão, na África, na América do Sul e Caribe e em partes da Austrália. Mas apenas 5% ou menos dos infectados desenvolvem a leucemia/linfoma de células T do adulto. A razão é desconhecida. O vírus pode ser transmitido pelo sexo, pela amamentação, pelo compartilhamento de agulhas, transfusões e transplantes. Nos EUA, o linfoma do vírus é visto normalmente em imigrantes das regiões afetadas.

Os pacientes descritos no artigo foram os três primeiros de um teste clínico nacional que deveria testar a droga em 20 pessoas com o linfoma. Mas após o terceiro piorar em vez de melhorar, os pesquisadores cancelaram o estudo, que era financiado pelo Instituto Nacional do Câncer. Eles escreveram para o periódico para alertar outros médicos sobre os riscos em potencial de dar a droga, uma forma de imunoterapia, a pacientes com esse tipo de linfoma.

— Eu não acho que devemos usar o nivolumab neste doença, considerando a nossa experiência — disse Murali Janakiram, um dos autores do artigo, que tratou um paciente no Centro Médico Montefiore, no Bronx, Nova York. — É por isso que queríamos a publicação do artigo. Com outros linfomas de células T, devemos ser cautelosos de que isso pode acontecer, mas continuar com os testes clínicos.

— Nós realmente ficamos chocados com os resultados com todos os três pacientes — disse Lee Ratner, da Escola de Medicina da Universidade Washington, em St. Louis, que elaborou e organizou o teste.

Este tipo de linfoma tem quatro subtipos, incluindo dois que são normalmente fatais menos de um ano após o diagnóstico. Pessoas com os outros dois podem sobreviver por mais tempo. O primeiro paciente, que se juntou ao estudo em fevereiro de 2017 e foi tratado nos Institutos Nacionais de Saúde, tinha uma forma chamada “latente” e sobreviveu, com vários tratamentos, por mais de 20 anos, segundo Thomas A. Waldmann, médico e cientista de lá.

— Ela viveu desde o tempo em que tinha bebês até ter os filhos na faculdade — disse Waldmann.

Mas ela tinha lesões dolorosas na pele e outros sinais de que a doença estava piorando. Os médicos ficaram sem opções de tratamento. Tentar um inibidor de ponto de controle parecia fazer sentido. As células cancerosas neste tipo de linfoma têm muitas mutações, e as drogas funcionam melhor nesta situação.

— Nós pensamos que esta abordagem nesta paciente seria benéfica — disse Waldmann. — O que nós observamos foi exatamente o oposto. Todos os aspectos de latência foram substituídos pelas características de malignidade agressiva e aguda.

Menos de uma semana após uma única infusão de nivolumab, as lesões da pele da paciente ficaram inchadas e quentes. Seu baço ficou inchado e dolorido e houve um aumento em 63 vezes nos níveis de DNA do vírus causador do câncer.

— Quando alguém estuda e trabalha com um paciente por 20 anos, desenvolve uma relação — disse Waldmann. — Foi muito desconcertante ver isso.

Os médicos usaram tratamentos com radiação para reduzir o baço e as lesões. Eles não sabiam se o culpado era o nivolumab, mas não lhe deram mais nada. Ela parecia retornar à condição em que estava antes de receber a droga, com piora da doença. Ela morreu alguns meses depois.

Na época, Waldmann suspeitou que a droga talvez tivesse feito a doença progredir. Inibidores de ponto de controle trabalham com a ativação dos glóbulos brancos chamados células T, uma parte do sistema imunológico que deve atacar o tumor. Mas em pacientes com este tipo de linfoma, as drogas talvez mobilizem as células T doentes, assim como as saudáveis.

Ainda assim, os pesquisadores não podiam ter certeza de que o declínio da paciente não tenha sido apenas uma infeliz coincidência.

Então, alguns meses depois, algo similar aconteceu na Universidade Estadual de Ohio. Apenas dias após ser tratada, uma paciente com a doença latente desenvolveu sintomas parecidos com o da gripe e, dentro de semanas, “a leucemia tinha progredido para os ossos, medula óssea e para toda a parte”, disse o oncologista Jonathan E. Brammer.

Ela teve que ser retirada do estudo e tratada com quimioterapia. Brammer disse que não sabia como ela estava agora, porque ela havia viajado à Estadual de Ohio para o estudo e depois voltou para casa e continuou o tratamento com médicos locais.

— Na ciência, quando você administra um medicamento, espera um resultado. Mas até que você faça isso, não sabe qual será o resultado — disse Brammer.

O terceiro paciente, tratado em Montefiore em novembro passado, apresentava uma forma aguda da doença e já havia passado por vários tipos de quimioterapia. A doença se tornou resistente à quimioterapia, então o estudo com o nivolumab parecia ser uma opção melhor, disse Janakiram.

— Nós demos a ele a primeira dose e, em menos de 15 dias, quando ele estava pronto para receber a próxima dose, a doença decolou — disse Janakiram. — Estava ainda mais agressivo.

O paciente retornou para a quimioterapia e estabilizou. Ele tinha ido a Montefiore para se juntar ao estudo e depois voltou para seus médicos. Janakiram disse que não sabia como estava a situação do paciente.

Os pesquisadores dos três centros, junto com Ratner, compararam as anotações e decidiram encerrar o estudo.

— Esta é uma doença que pode piorar a qualquer momento — disse Janakiram. — Mas foi tão logo após a droga que não podemos descartar que seja ela a causadora do problema.