fonte: Estadão

Um dos caminhos mais promissores para o tratamento do câncer utiliza o próprio sistema imunológico dos pacientes para destruir os tumores. Após sete anos da liberação das primeiras drogas no mundo, a imunoterapia inspira otimismo e avança nas clínicas, apesar do custo alto e da eficácia restrita.

Várias novas abordagens experimentais de tratamento – como a imunoterapia celular – estão obtendo resultados promissores, mas ainda permanecem bem distantes da clínica oncológica. Por outro lado, de acordo com os especialistas ouvidos pelo Estado, os tratamentos que se baseiam em drogas imunoterápicas já são aplicados rotineiramente nos consultórios. Cinco delas foram aprovadas no Brasil para diversos tipos de câncer, como melanoma, linfoma de Hodgkin e tumores de pulmão, bexiga e cabeça e pescoço.

A maior parte dessas terapias envolve as drogas conhecidas como “bloqueadores de checkpoint”. Basicamente, elas obstruem um receptor das células do sistema imunológico que é utilizado pelos tumores para se tornarem invisíveis às defesas do organismo.

“Há muito tempo já se imaginava que o sistema imunológico poderia atacar o câncer, especialmente alguns tipos de tumor mais ‘visíveis’ para ele, como o melanoma e o câncer de rim. Mas os medicamentos que existiam para isso tinham eficácia muito baixa. O que mudou radicalmente a maneira como enxergamos a imunoterapia para o câncer foi o lançamento das primeiras drogas bloqueadoras de checkpoint”, disse o médico William William, diretor de oncologia clínica da Beneficência Portuguesa, em São Paulo.

As primeiras drogas imunoterápicas começaram a chegar ao mercado em 2011. Segundo William, com essa alternativa disponível, logo ficou evidente que imunoterapia se tornaria extremamente importante para o tratamento do câncer.

“Mas a grande surpresa veio quando começamos a usá-las para outros tipos de tumor para os quais a imunoterapia não parecia tão promissora no início, como pulmão, bexiga e cabeça e pescoço. O câncer de pulmão ilustra bem essa evolução. Antes, a única alternativa para esse tipo de câncer era a quimioterapia. A imunoterapia chegou inicialmente como uma opção para os casos nos quais a quimioterapia havia falhado. Há cerca de um ano, as drogas imunoterápicas já começaram a ser utilizadas como uma estratégia inicial”, explicou.

Uma das ressalvas é que os métodos que, mesmo sendo bem mais eficazes que as drogas imunoterápicas antigas, os bloqueadores de checkpoint, utilizados de forma isolada, funcionam para só 20% dos pacientes.

“Já ficou bem claro  que a maior parte dos pacientes não se beneficiam. No entanto, a imunoterapia tem uma enorme vantagem:  quando ela funciona, os benefícios são de longo prazo – ao contrário do que ocorre com a quimioterapia – e os efeitos colaterais são bem menores”, explicou William.

De acordo com o médico Vladmir Cordeiro de Lima, do departamento de oncologia clínica do hospital AC Camargo, em São Paulo, o baixo número de potenciais beneficiados pela imunoterapia não impede que ela seja considerada uma revolução.

“De fato, temos um novo paradigma no tratamento do câncer e a imunoterapia é usada de forma rotineira nos consultórios. O potencial para cura existe, mas atualmente as drogas imunoterápicas realmente não funcionam para a maioria dos casos. Um dos grandes atrativos é que elas têm funcionado bem para doenças metastáticas e já começam a ser aplicadas em fases mais precoces do tratamento”, disse Lima.

Segundo Lima, quando a imunoterapia funciona, a sobrevida dos pacientes pode chegar a ser três vezes maior. “É pouco, mas é muito melhor do que tínhamos antes”, afirmou.

Estratégia. Além da eficácia limitada, outro problema com as drogas imunoterápicas, segundo os especialistas, é o preço incrivelmente alto. Uma única caixa de pembrolizumab, por exemplo, que é um dos medicamentos aprovados no Brasil para melanoma em estágio avançado, custa cerca de R$ 18,8 mil. Um tratamento de um ano pode chegar a R$ 582 mil.

“Os pacientes que conseguem a cobertura desses medicamentos nos planos de saúde são exceções pontuais. As operadoras de saúde não preveem o pagamento do tratamento imunoterápico”, disse Lima.

Segundo Lima, o barateamento das tecnologias na área de saúde não  ocorre de forma tão rápida como ocorre com a informática, por exemplo. O oncologista Artur Katz, do Hospital Sírio Libanês, também não acredita que o preço cairá.

“Essas drogas são extraordinariamente caras no mundo todo e esse é um grande problema global. Infelizmente, não podemos ter acesso a elas pelo SUS. Dificilmente o preço cairá, porque quando uma novas geração de medicamentos é lançada, em vez da queda do preço, o que acontece é que a geração antiga fica obsoleta”, explicou Katz.

Para William, o alto custo deve ser avaliado em relação à efetividade dessas drogas. “A relação custo-benefício precisa ser sempre levada em conta. Além disso, há muitos imunoterápicos sendo lançados e esperamos que a competição leve a uma redução de custos a longo prazo.”

Os caminhos para superar o problema do preço – assim como as limitações da eficácia – dos imunoterápicos, segundo Lima e William, passam pelo aprimoramento das estratégias para identificar os pacientes que mais beneficiam das drogas imunoterápicas. “A relação custo-benefício vai melhorando conforme vamos identificando os pacientes que terão resultados melhores”, disse William.

De acordo com o Lima, a cada dia os cientistas aprendem a identificar com mais precisão quem são os pacientes que mais se beneficiam dessas terapias – o que vai torná-las mais eficazes e personalizadas.  “Quando identificamos certas populações de células e a presença de certos marcadores, podemos utilizar estratégias mais focadas e específicas”, disse.

O AC Camargo, por exemplo, já tratou cerca de 400 pacientes com imunoterapia nos últimos sete anos e, para aprimorar a identificação dos pacientes que mais se beneficiarão, está terminando a montagem de um novo Centro de Imunoterapia com cerca de 70 médicos de várias especialidades. O oncologista americano Kenneth Gollob foi trazido em setembro para liderar o novo grupo.

Gollob contra que o centro adquiriu duas máquinas de última geração, que chegarão ao Brasil em agosto e que permitirão estudar simultaneamente um grande número de tipos e subtipos de moléculas do sangue e dos tumores dos pacientes.

“Com isso vamos poder identificar os marcadores  presentes em cada caso, que nos indicarão quais terapias terão mais chance de sucesso. O objetivo é direcionar a imunoterapia para os pacientes que mais terão benefício e também identificar novos alvos moleculares para o tratamento. Dessa maneira, vamos aumentar a abrangência dos tratamentos imunoterápicos”, explicou Gollob.

Segundo Gollob, há várias razões para que alguns pacientes respondem à imunoterapia melhor do que os de outros. “A eficácia da imunoterapia depende muito dos marcadores genéticos presentes no tumor – esses marcadores são os alvos da droga imunoterápica e podem variar muito. Outro fator é o grau de mutação do tumor: os que têm mais mutações produzem mais antígenos e têm mais potencial para serem atacados pelo sistema imune. Por isso precisamos refinar o tratamento para cada paciente”, explicou.

Aval recente. Além dessa estratégia de “personalização” da imunoterapia, outro caminho para aumentar sua eficácia é a combinação com a quimioterapia. Um exemplo do avanço nesse tipo de abordagem foi a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na segunda-feira, 11, do uso combinado de imunoterapia e quimioterapia para tratamento de câncer de pulmão avançado.

Em estudos clínicos publicados na revista científica New England Journal of Medicine, o uso combinado da quimioterapia com a droga inibidora de checkpoint pembrolizumabe – droga do laboratório Merck Sharp & Dohme (MSD) aprovada no Brasil para imunoterapia para câncer de pulmão em estágio avançado – reduziu em 51% os risco de morte de pacientes e diminuiu em 48% a chance de progressão da doença.

De acordo com Roger Miyake diretor médico da empresa farmacêutica Bristol-Myers Squibb (BMS), a combinação de tratamentos uma tendência cada vez mais importante.”As drogas imunoterápicas que temos disponíveis podem ser combinadas com a quimioterapia, com a radioterapia e com a cirurgia, criando uma nova gama de abordagens para tratar diversos tipos de tumores”, disse Miyake.

Segundo ele, em janeiro, duas drogas imunoterápicas da BMS receberam a primeira aprovação da Anvisa para o uso combinado de dois medicamentos do tipo. A empresa também foi a primeira no mundo a lançar uma droga imuno-oncológica moderna, em 2012 – o medicamento para melanoma metastático chegou ao Brarsil em 2016. De acordo com Miyake, o próprio aumento do uso clínico contribui para o avanço da imunoterapia.

“A medicina evolui a partir de hipóteses. Quando um novo medicamento é lançado e começa a ser utilizado, começamos a vislumbrar novas possibilidades para ele. Cada vez mais, as drogas imunoterápicas são indicadas para novos tipos de tumores, em fases cada vez mais precoces da progressão da doença – o que aumenta o número de pessoas beneficiadas.”

O oncologista Felipe Ades, do Hospital Albert Einstein, afirma que além dos cinco medicamentos imunoterápicos aprovados para tratamento do câncer no Brasil, vários outros já estão em vias de aprovação. “Há várias outras drogas a caminho, além de novos alvos moleculares para essas drogas que já existem – o que aumentará sua abrangência”, disse.

De acordo com Ades, o progresso da imunoterapia é mais rápido para alguns tipos de câncer. “Depende muito do tipo de doença. Em melanoma, houve um avanço fantástico, porque esse tipo de câncer tem muitas mutações e o alvo é mais fácil. Em alguns casos a taxa de resposta é de 40% , o que é excelente. Tudo depende também do organismo da pessoa. Quando ela possui mais receptores para os bloqueadores de checkpoint, a resposta é melhor”, explicou Ades.