fonte: APM

É seu momento de descanso, você está em casa e o celular apita: o paciente operado ou atendido há alguns dias se queixa de uma dor de cabeça em mensagem enviada via WhatsApp. O que fazer? Júlio Leonardo Barbosa Pereira, neurocirurgião e integrante da Comissão do Médico Jovem da APM, conta que em sua realidade, é comum que haja pacientes aflitos com uma vermelhidão ou ferida pós-operatória. Assim sendo, encara a ferramenta de comunicação como uma forma de contato direto, objetivo e prático, que pode esclarecer dúvidas pontuais de pacientes entre uma consulta e outra, procedimento e/ou exame.

Ele próprio, porém, já dá a tônica do debate acerca do tema: “Jamais, sob hipótese alguma, uma mensagem irá substituir a consulta médica ou resolverá uma emergência. Todos os meus pacientes recebem o meu número de WhatsApp, mas aviso-os que muitas vezes não poderei responde-los e que, em casos graves, devem procurar pelos prontos-socorros.

“Jamais, sob hipótese alguma, uma mensagem irá substituir a consulta médica ou resolverá uma emergência, mas é possível esclarecer dúvidas pontuais” Júlio Pereira

Mesmo no que diz respeito às fotografias, ainda que as imagens tenham excelente qualidade, muitas vezes não consigo responder à dúvida de um paciente sem o contato direto, pessoal”.

A complexidade do tema é alta e deve-se ao fato de que o estabelecimento desse contato entre médicos e pacientes via mensagens on-line é algo relativamente novo. Mas embora recente, essa troca é realidade. Não à toa, o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou um parecer sobre o assunto [confira no box ], no 14/2017, motivado inclusive pelas inúmeras consultas dos profissionais.

A ementa, basicamente, permite o uso. Embora não seja uma regulamentação, o parecer é um indicativo de que a utilização do WhatsApp é irrefreável, cabendo daqui para a frente discussões sobre a melhor forma de uso. A todo momento, inclusive, o texto diz que muitas das trocas de informações neste aplicativo já ocorriam em outros meios, como telefone e fax, de maneira segura e saudável. A preocupação é com os excessos.

“É permitido o uso do WhatsApp e plataformas similares para comunicação entre médicos e seus pacientes, bem como entre médicos e médicos, em caráter privativo, […] com a ressalva de que todas as informações passadas têm absoluto caráter confidencial e não podem extrapolar os limites do próprio grupo, nem tampouco podem circular em grupos recreativos, mesmo que compostos apenas por médicos”, estabelece a ementa.

O USO CORRENTE

Doutor em bioética, Clóvis Francisco Constantino, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria e conselheiro do Cremesp, afirma que a utilização do WhatsApp é uma realidade, ainda que o atendimento a distância esteja em fase relativamente prematura de evolução.

Em sua visão, a tecnologia é sempre boa, desde que seu uso seja ético, respeitoso e que compreenda limites.

“Esse cenário implica em cuidados de ordem ética, na tentativa de não tornar essa troca de comunicação um risco, nem para o médico, nem para os pacientes. Existem questões como o sigilo profissional, o contato com o paciente, o exame físico indispensável e os cuidados necessários”, complementa Constantino, que também é diretor de Previdência e Mutualismo da Associação Paulista de Medicina (APM).

Já Antonio Carlos Endrigo, diretor de Tecnologia da Informação da APM e especialista em tecnologia em Saúde, diz que não utiliza os aplicativos de mensagens on-line para atendimento – apenas para questões de agendamento, eventualmente. “Jamais para queixas e sintomas.

Muito menos para passar orientações. Para isso, seria necessária uma regulamentação que protegesse tanto o paciente quanto o médico. Basta uma interpretação errada para que ambos sejam prejudicados”, acredita.

Em seu entendimento, o médico realmente não está seguro. Ele defende que, para realizar um atendimento ou um acompanhamento, existem processos a serem seguidos, e que o WhatsApp não os admite. “Esse canal não permite uma documentação segura. Para ilustrar: e se um paciente recebe uma orientação minha, que achou boa, e repassa para outras pessoas? É mais um dos riscos do uso dos aplicativos.”

“Médicos e pacientes têm de compreender a importância dos limites da relação” Clóvis Constantino

Apesar de utilizar, Júlio Pereira entende perfeitamente os que optam por não estabelecer contato dessa maneira. “Tenho colegas fenomenais com posturas completamente diferentes da minha, excelentes médicos que têm medo. E estão certos também, existe essa insegurança jurídica e legal. Na minha realidade funciona, mas para outros pode ser diferente. Além das questões de autonomia e tempo livre. O importante é, se for abrir esse canal de comunicação, estabelecer os limites com o paciente”, argumenta.

ÉTICA PROFISSIONAL

O parecer do CFM supracitado ressalta a vedação explícita em substituir as consultas presenciais e aquelas para complementação diagnóstica ou evolutiva, a critério do médico, por quaisquer das plataformas existentes ou que venham a existir. Mas, além dessa recomendação, causa expectativa nos profissionais a iminente revisão do Código de Ética Médica (CEM), em vigor desde 2010.

Atualmente, o CFM está na reta final da elaboração de uma nova edição. Foram realizadas conferências nacionais para trabalhar nas milhares de sugestões enviadas tanto por médicos, quanto por órgãos da sociedade civil organizada. A expectativa é que a análise final das propostas seja feita ainda neste mês de agosto.

Endrigo defende que essa questão seja muito bem regulamentada, definindo quais são, nessa troca de mensagens, as responsabilidades dos médicos e os direitos e deveres dos pacientes. Além disso, entende que devem ser colocados na pauta aspectos de segurança – que protejam a confidencialidade e a privacidade do paciente – e os modelos de remuneração. “Como o médico será pago por isso? Como funcionarão essas teleconsultas? Isso há de ser estabelecido.”

Júlio Pereira explica que cobrar, hoje, por esse atendimento on-line não é algo viável em sua atuação, mas acha interessante que as normas estabelecidas para essa troca de mensagens contemplem esse ponto. Ele acredita que a primeira ação é reconhecer que o uso do Whats- App, entre médicos e pacientes, existe e é uma realidade. “Depois, espero que haja uma diretriz de como se portar.

Hoje eu faço uso dessa ferramenta de uma forma, mas meu colega pode fazer de outra maneira. Então, quero uma regulação que veja que esses aplicativos são importantes e que entenda que essas consultas e atendimentos também são trabalho médico”, diz.

Ainda que o CFM já esteja demonstrando preocupação com a utilização do WhatsApp, a regulação tem sido lenta e o avanço da comunicação muito rápido.

Esse é o diagnóstico de Clóvis Constantino. “É necessário que a regulamentação invista no esclarecimento para médicos e cidadãos. Ambas as partes têm de compreender a importância dos limites da relação. Até para que não soe como desinteresse e indisponibilidade do médico. É delicado”, finaliza.

CONCLUSÃO DO PARECER CFM 14/2017

O WhatsApp e plataformas similares podem ser usados para comunicação entre médicos e seus pacientes, bem como entre médicos e médicos em caráter privativo para enviar dados ou tirar dúvidas com colegas, bem como em grupos fechados de especialistas ou do corpo clínico de uma instituição o cátedra, com a ressalva de que todas as informações passadas têm absoluto caráter confidencial e não podem extrapolar os limites do próprio grupo, nem tampouco podem circular em grupos recreativos, mesmo que composto apenas por médicos, ressaltando a vedação explícita em substituir as consultas presenciais e aquelas para complementação diagnóstica ou evolutiva a critério do médico por quaisquer das plataformas existentes ou que venham a existir. Este é o parecer,

S M. J.
Brasília, DF, 27 de abril de 2017.
EMMANUEL F. S. CAVALCANTI
Conselheiro relator