fonte: Folha de SP

​​A Organização Mundial da Saúde defende que o cuidado paliativo seja tratado como “uma necessidade humanitária urgente” para pessoas com doenças graves.

No Brasil, essas terapias que têm como objetivo melhorar a qualidade de vida do paciente são realidade para poucos. Segundo um estudo da ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos), há só 177 equipes atuando na área no país.

O acesso também é desigual. Mais da metade das equipes está no Sudeste. Destas, a maioria fica na cidade de São Paulo. E, dentro da capital, a maior parte dos grupos está na região da avenida Paulista.

“A avenida Paulista tem mais equipes de cuidado paliativo do que o Norte e o Nordeste”, diz Daniel Forte, coordenador da área no Hospital Sírio-Libanês e presidente da ANCP.

“O Brasil tem ilhas de excelência, mas tem também um mar sem esse serviço. Nossa situação está pior que a de países como Argentina, Uruguai e Zâmbia”, diz Forte.

O conceito de cuidados paliativos está se modernizando. Antes, o tratamento era entendido como um acompanhamento quando o paciente está sem alternativa de cura. Agora, a OMS afirma que o monitoramento das necessidades do paciente e o acolhimento à sua família deve ser feito a partir do diagnóstico.

“Cuidado paliativo é cuidar do sofrimento em qualquer fase da doença, mesmo que a pessoa tenha um ótimo prognóstico”, diz Forte.

“A hora de o paliativista entrar em ação é a hora que o paciente precisa”, completa Maria Goretti Maciel, diretora do serviço de cuidados paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual.

A aposentada Tania Maciulis Dip está se tratando há cerca de quatro anos de câncer de útero, ovário e intestino. Acompanhada pelo marido, Eduardo Dip, também aposentado, ela recebe cuidados paliativos da equipe de Maciel.

“O tratamento desde o início nos ajudou a viver da melhor forma possível, apesar das dificuldades. Nos incentivou a nos mantermos ativos e ajudou a minimizar os sintomas da doença”, diz Eduardo.

Tania concorda: “Quando a gente fica doente, o coração fica apertado, fica mais quieto, resignado. Com o tratamento, vi que a vida podia ser um pouco mais fácil. Às vezes me sinto mais fraquinha por causa dos medicamentos, mas não perco o humor. A terapia é para mim uma janela aberta para um céu azul bonito”.

De acordo com Maciel, além de ser bom para o paciente, o cuidado paliativo pode ser mais barato para o sistema de saúde do que tratamentos tradicionais. “Pesquisas mostram que essas terapias podem representar uma economia de 40%. É algo simples, pode ser feito em qualquer lugar, não precisa de UTI.”

Segundo Forte, estudos também mostram que cuidados paliativos podem aumentar o tempo de vida dos pacientes. Tudo isso está provocando mudanças na forma de pensar e praticar a medicina.

Nos Estados Unidos, já existem doulas do fim da vida, que têm papel semelhante às que auxiliam grávidas a parir, mas se dedicam ao momento da morte. Elas ajudam idosos a realizarem o desejo de morrer em casa, oferecendo apoio emocional e espiritual.

Nessa toada, a humanização do relacionamento entre médico e paciente é uma tendência cada vez mais forte.

“Quando você pressupõe o respeito à autonomia do indivíduo, você muda a relação com o paciente. O médico sabe a parte técnica, e o paciente sabe dos seus valores de vida. É preciso que aconteça esse encontro”, diz Forte.

Para Maciel, falta aos médicos tempo para prestar atenção neles mesmos. “A medicina se sofisticou tanto que perdeu o limite. Vejo muitos profissionais com dificuldades para lidar com coisas que são naturais, como a morte. Isso gera sofrimento ao profissional.”