fonte: Folha de SP

Ainda não foi dessa vez que o STF (Supremo Tribunal Federal) conseguiu fechar questão em relação ao fornecimento de medicamentos de alto custo pelo SUS e, com isso, frear o crescente processo de judicialização da saúde, que já custa R$ 1,4 bilhão à União.

Um dos temas mais esperados, aquele que se refere a remédios que estão registrados na Anvisa, mas que por diversos motivos não foram incorporados ao SUS, ficou para ser analisado no próximo dia 13 de junho. 

Embora tenha avançado em alguns pontos na última quarta (22), como na decisão de que o poder público não deve ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais sem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), os sobraram brechas que, possivelmente, vão continuar gerando ações judiciais.

O Supremo estabeleceu que é possível o Estado oferecer o medicamento sem registro quando a Anvisa ultrapassar o prazo para análise do registro do remédio, que vai de 120 a 365 dias (com exceção para os chamados medicamentos órfãos, que a indústria farmacêutica tem baixo interesse em desenvolver e comercializar e em casos de drogas para doenças raras e ultrarraras, caso tenham registro em outros países) ou quando da inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

Nesses casos, cidadãos que queiram judicialmente obter remédios sem registro devem acionar a Justiça Federal contra a União, e não contra estados e municípios.

Para o procurador do Estado de São Paulo José Luiz Souza de Moraes, a decisão do STF pode provocar o deslocamento de processo entre justiças, fora do que o autor da ação almejou, já que não haverá mais a possibilidade de se pleitear medicamentos experimentais sem registro contra estados e municípios. 

 “O autor pode entrar contra o estado ou o município e o juiz determina que o processo seja deslocado para a Justiça Federal.”

Na sua opinião, haverá um acréscimo importante na litigiosidade entre entes públicos, na busca por medicamentos fornecidos fora de suas competências, o que, em certa medida, agravará a insegurança jurídica. “Em relação aos tratamentos não padronizados haverá insegurança a respeito de quem caberá o seu fornecimento, cabendo à União as demandas de incorporação.”

Com a decisão de estabelecer prazos para a Anvisa, a agência terá que acelerar seus processos de avaliação. Segundo documento apresentado ao STF pela DPU (Defensoria Pública da União), o prazo médio de registro de medicamentos no Brasil vai de 490 a 1.286 dias, tempo considerado demasiado longo quando comparado a países como os Estados Unidos, o Canadá e a Coreia do Sul, líderes mundiais em pesquisas clínicas.

A DPU também argumenta que, das 60 substâncias aprovadas pela FDA (Food and Drug Administration, agência reguladora dos EUA ) entre 2013 e 2017 para tratamento de câncer, apenas 32 haviam sido registradas pela Anvisa e nenhuma havia sido incorporada ao SUS até julho de 2018.

“Ou seja, pouco mais da metade dos novos remédios, que servem ao tratamento de 24 diferentes tipos de tumores, recebeu o crivo oficial da agência sanitária para disponibilização aos brasileiros”, diz trecho do documento da DPU.

Há tempos que nos bastidores da saúde se fala que essa demora da Anvisa vai muito além da falta de braços da agência para dar conta de tudo o que está sob o seu guarda-chuva. Estaria mais relacionada ao fato de que, uma vez aprovado o registro, haveria mais pressão para a incorporação do remédio em questão no SUS. Em diversos fóruns, diretores da Anvisa negaram essa hipótese.

A expectativa, porém, gira em torno da decisão que deverá sair no dia 13: o SUS deve ou não fornecer medicamentos que, mesmo aprovados pela Anvisa, não passaram pelo crivo da Conitec (comissão que avalia a incorporação de novas tecnologias no sistema público de saúde) e, portanto, não estão disponíveis para o paciente da rede pública?

A fala do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, à Globonews na última quinta (23), dá uma ideia do drama que envolve essa decisão:

“Terapia gênica, por exemplo, saindo a R$ 5 milhões por paciente, e nós temos 5.000 pessoas nessa fila. Se aplicamos esse número, você vai chegar ao custo de R$ 7,5 bilhões, em um orçamento que claramente não tem espaço para isso. É um desafio complexo, e o Supremo tem que entender que nós deveríamos fazer a análise pela nossa agência. A gente espera que o bom senso e o direito coletivo prevaleçam”, disse o ministro.

Se por um lado o poder público argumenta que o fornecimento de medicamentos caros, fora da lista do SUS, coloca em risco o fornecimento do básico para toda a população, por outro os doentes defendem que essas drogas são a única esperança de continuar vivos. 

São com esses dois princípios constitucionais diferentes e altamente complexos que os ministros do STF vão ter que lidar quando retomarem a discussão em pouco mais de duas semanas.