fonte: Folha de SP

“Poxa mãe, você só fica aí nessa fazendinha”, dizem os três filhos da dona de casa Carla Daniela de Freitas Giamundo, 32. Ela conta que gruda no celular para ver séries e curtir alguns jogos, mas que, quando extrapola, leva bronca de Lucas, oito anos, e dos gêmeos, Pedro e Rafael, de seis. 

Essa situação está ficando cada vez mais comum. Subiu o número de crianças que reclama do tempo em que seus pais passam em frente ao celular, segundo pesquisa da ONG Common Sense Media. Se em 2016 eram 28% dos filhos americanos insatisfeitos, hoje são 39%. E, também, caiu o número de crianças que vê o uso de celulares por seus responsáveis de forma equilibrada: de 64% para 42%.

Isso também se reflete no Brasil. “Recentemente, uma adolescente disse que a mãe os proíbe de ficar no celular durante o jantar, mas ela mesma não conversa com ninguém justamente porque está de olho no aparelho”, conta o psicólogo clínico Alessandro Vianna, que tem visto com frequência a mesma queixa.

Ele pediu pediu que a menina levasse uma conversa franca com a mãe para alertá-la de que o uso excessivo do aparelho interferia no relacionamento familiar. E esse uso é excessivo porque se confunde com o momento de trabalho e de lazer. A tecnologia serve para tudo: trabalho, diversão, distração.

Giamundo afirma fazer de tudo para manter o controle e não deixar que isso afete seus filhos. “Eles têm o momento deles de ficar um pouco no tablet e é quando eu faço o jantar, por exemplo. Procuro fazer minhas coisas depois que eles já foram dormir, mas, às vezes, acabo perdendo um pouco a noção de tempo.” 

“Mas, eu converso muito com eles sobre isso. Acho que o mais importante da relação com os filhos é a demonstração de amor, de carinho, de atenção”, afirma a dona de casa, que também reclama da própria mãe. “Ela tem 50 anos e trabalha como gerente de balada. Ela vem visitar os netos e fica no celular, já dei bronca nela também”, conta Giamundo.

Já para a empresária Patricia Limeira, 40, mãe de Gabriela, 12, e Antonio, 10, o trabalho é o que faz com que ela fique distraída no celular. Ela diz que chegou a levar bronca da filha, que é atriz e modelo mirim, durante uma seleção de fotos. 

“Enquanto faziam as fotos, eu respondia mensagens no celular, e ela ficou muito brava, quase chorou”, relata Limeira, que diz que ainda não encontrou uma solução. “Tenho clientes que esperam resposta rápida, mas tento encontrar um limite de horário para deixar para depois ou para o outro dia.”

História semelhante é o da veterinária Vanessa, 36, que não quis dar sobrenome para preservar a própria mãe, de 60 anos –ela tem três netos, e o mais velho já está sentindo os efeitos de ter a avó viciada em tecnologia. “Ele tem um ano e meio e não chama pela vovó –que está sempre conectada–, só pelo vovô”, afirma a filha, já preocupada.

Especialistas afirmam que não há uma solução rápida porque essa questão é relativamente nova. “Não temos repertório para lidar com isso ainda. Antes, havia o horário de expediente, você baixava as portas de aço, e o bloco de notas e o telefone ficava lá dentro. Agora, estamos o tempo todo conectados e seus clientes e amigos esperam que você esteja sempre à disposição”, afirma a neuropsicóloga Deborah Moss, mestre em psicologia do desenvolvimento pela USP (Universidade de São Paulo).

Há um outro ponto de vista dessa questão, como lembra Andrea Jotta, psicóloga do Janus (Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação) da PUC de SP. “Os pais estão deslumbrados [com a tecnologia], e as crianças agem de forma mais normal com a tecnologia. Como eles não tiveram tablets e celulares na infância, ficam o tempo todo grudados nesses aparelhos e, muitas vezes, identificam isso como símbolo de status, ter o melhor celular, a melhor tecnologia.”

O problema é justamente quando os pais transferem esses valores aos filhos. “Para a criança, o celular ou tablet não é aquele brinquedo que brilha mais no baú, é apenas uma das opções, porque eles nasceram em meio a toda essa tecnologia”, explica Jotta. Por isso, se os pais se comportarem com equilíbrio ao usar a tecnologia, será natural que as crianças também não se tornem viciadas em eletrônicos.

Os adultos estão grudados nos aparelhos também porque as redes sociais funcionam como uma fuga da vida difícil, lembra o psicólogo Vianna. “Tem a pessoa que teve um dia difícil, e bebe, outras pegam o celular e olham as redes sociais. Já foi comprado que as curtidas e belas fotos causam reações químicas no nosso organismo, relacionadas ao prazer.”

A geração de avós ou mães na terceira idade também pode perder o controle por se ver tendo acesso a tanta informação de uma hora para outra. “Já disse que me arrependi de ter comprado celular para ela e a ensinado a mexer”, brinca a professora Ana Lúcia Bianchi Centenaro.

Centenaro tem 32 anos e cobra da mãe de 59 anos o contato perdido com a família. Ela passa todo o tempo dedicada a mensagens de whatsApp e ligada a cada publicação dos amigos nas redes sociais. “Ela chega a responder por mim nas publicações dos que os amigos deixam na minha página. E ela nunca mais concordou com a gente, porque sempre quem tem razão é o Google”, brinca.

Para tentar fazê-la mudar de comportamento, Centenaro explicou que ela e o pai sentem falta da companhia e da presença de fato dela na casa. “Digo que está no celular pode esperar, nós que estamos presentes, não”, lembra a filha. Ela conta que o problema piorou quando a mãe se aposentou e ficou com o tempo todo livre, e grande parte do dia sozinha. “Muitas vezes, vejo que o celular é a companhia dela”. 

A recém-aposentada Maria de Fatima Bianchi Centenaro entendeu o recado da filha. “De início, eu fiquei brava, porque não era justo eles nos dão o celular, nos ensinam a brincar e depois acham ruim?”, brinca Centenaro. “Quando eu comecei a achar que o mundo se fechava para mim, veio o celular e me abriu para um mundo novo. Mas eu entendi agora que é preciso se policiar. No jantar, já ficou proibido ter celular na mesa.”

RISCOS PARA A SAÚDE MENTAL E EMOCIONAL

Para o psicólogo Alessandro Vianna muitos adultos apenas reproduzem o efeito manada. “Você vê todo mundo correndo para a direita na rua, e você sai atrás. As pessoas apenas estão reproduzindo a forma como lidam com tecnologia. Muitas vezes, elas pegam no celular sem saber nem porque pegou”, afirma o especialista. Para mudar, é preciso sair do automático e prestar atenção a cada momento em que se usa o aparelho.

Os perigos de pais, avós e filhos conectados em seus próprios mundos são muitos. O pior, segundo o psicólogo Alessandro Vianna, é que crianças e adolescentes sejam criados em um ambiente muito frio. “Quando a criança chega a dar bronca, é sinal de alerta. Se os filhos sentem falta da conversa franca, do olho no olho, é porque a relação está fria, distante. Essa criança adulta não vai saber lidar com frustrações reais, porque só lidou com o mundo virtual. Índices de depressão e suicídio entre jovens vêm também dessa questão.” 

Vianna afirma que é preciso relativizar cada momento que se perde na tela. “Qual o benefício de se passar uma mensagem para um grupo no celular em detrimento de um bate-papo com a família sobre aquele mesmo assunto?”, questiona.

Estamos em um tempo em que é comum ver famílias inteiras conectadas, até mesmo quando vão jantar fora, sem conseguir mais se comunicar. “Brinquem de montinho de celular, deixem todos os aparelhos em um canto e passem mais tempo juntos porque, afetivamente, estamos ficando cada vez mais frios”, afirma o psicólogo.

Uma conversa é franca sempre a melhor solução, segundo os especialista. “Quando o filho chega e fala franco e sério com a mãe ou com o pai, não será só mais uma reclamação. Eles vão começar a ouvir a criança”, afirma Vianna. 

A partir daí, é preciso mudar o comportamento. A neuropsicóloga Deborah Moss dá seu próprio exemplo. Ela trabalha em casa e nem sempre está pronta a ouvir os filhos. “Quando minha filha quer contar algo, eu peço para ela guardar no coração a informação. Em um certo horário, eu me desconecto totalmente e ouço com atenção. É preciso reservar esse tempo todos os dias”, afirma Moss.

Ela lembra que é muito importante retomar assuntos perdidos para que a criança ou o adolescente não deixe de falar o que estava sentindo ou o queria dividir naquele momento. E, claro, é importante ensinar a esperar. “Não será uma conversa no WhatsApp que vai causar falta de autoestima em uma criança. A diferença é que todos tenham a noção de que tudo tem seu tempo”, lembra Andrea Jotta. 

O importante é escolher um tempo em que se possa dar atenção de qualidade e verdadeiramente fazer companhia aos filhos. “As crianças são esponjas até os oito anos, e é a fase em que elas aprendem tudo. É preciso se dedicar a elas, principalmente nessa fase. E criança hoje percebe tudo, não adianta mentir, não”, lembra Jotta.

A psicóloga lembra que todos os valores passados nessa fase serão bem entendidos pela criança. “Elas aprendem de forma mágica, mas é preciso estar disposto a ensinar”, conclui a psicóloga. Os pais conectados também precisam de muita auto-observação. “Celular é um vício e ninguém vai se desconectar da noite para o dia. É como uma dieta. Você pensa no chocolate e come uma banana, mas isso é feito aos poucos”, sugere Moss. 

COMO MUDAR DE ATITUDE?

  1. Observe quais são os momentos em que você usa o celular. É para trabalho ou diversão? É possível reservar um tempo do dia para essas tarefas?
  2. Se o dia é muito ocupado, reserve um tempo de qualidade para os filhos. Brinque com os pequenos em plena atenção e converse com os adolescentes. Se for possível, desligue o aparelho nessa hora
  3. A crise financeira gera o medo de perder o emprego e faz com que funcionários em todos os níveis fiquem muito tempo disponíveis para atender a demanda a qualquer tempo. Tente impor limites, principalmente de horário
  4. Seja o exemplo. Se pais ficam muito no celular e acham que estar bem nas redes sociais é importante, esse mesmo valor será passado para os filhos
  5. Tenha em mente que as pessoas que estão presentes em um ambiente sempre vão ter prioridade aos que estão no celular. Nem sempre todas as mensagens precisam ser respondidas na hora. O que é importante agora, continuará sendo importante depois