fonte: CBC

por Alfredo Guarischi

Na comédia de animação Monstros S.A., produzida em 2001, os habitantes de Monstrópolis, uma cidade como outra qualquer metrópole, são caricaturas de seres humanos devido à sua aparência, com chifres, pêlos de cores aberrantes e desproporções corporais, e por possuírem, como nós, desejos, vontades e dificuldades de relacionamento.

Todas as noites, duplas de monstros abrem portas de armários dos quartos das crianças e as surpreendem, assustando-as. Elas então emitem gritos captados por sensores ligados a cilindros especiais que os transformam em energia.

Para obter maior eficiência, a empresa responsável pelo sistema mantém uma linha de produção de portas idênticas aos mais diferentes armários encontrados nos quartos de crianças, em todo o mundo. Há também uma competição para a dupla de monstros que consegue fazer as crianças gritarem mais alto.

Mike e Sulley são monstros recordistas da empresa. Sulley assusta as crianças, Mike é seu auxiliar – manuseia o equipamento que controla as portas e armazena a energia.

No entanto, nesse lucrativo negócio globalizado, existe a crença de que humanos são potenciais transmissores de doenças e de que os assustadores devem ser cautelosos com o contato físico com as crianças, as quais devem ser eliminadas se chegarem ao mundo dos monstros.

Um dia uma porta abre fora de horário; sai uma pequena criança de olhos brilhantes, que, ao encontrar Mike e Sulley, passa a brincar alegremente com aqueles “brinquedos simpáticos” e não “desgruda” mais dessa dupla. Com o passar do tempo, esse encontro se transforma num amor de pais e filha. Os “monstros” percebem como é saudável o contato com humanos e que fazer crianças sorrirem dá muito mais energia que um grito de pavor.

Mas a porta não foi aberta acidentalmente. Integrava um plano maléfico da chefia da empresa e de alguns colaboradores para capturar crianças para dentro da fábrica e, com uma aparelhagem especial, aumentar a produção de energia, impondo a elas mais medo.

Entretanto, Mike e Sulley haviam se transformado e amavam a pequena Boo. Conseguem desmascarar a trama e demonstrar à população a necessidade de uma reformulação em seus princípios. As turmas de assustadores passam a ser de “divertidores”. O clima na fábrica torna-se mais ameno e estável.

Lembrei desse filme após uma paciente me dizer que ficava assustada toda vez que cruzava uma porta em busca de saúde. Creio que ela devia conhecer parte da história de Boo.

Conversamos muito, de mãos dadas, até ela adormecer como uma criança. No dia seguinte me contou que não ouvira gritos.

Portas na saúde se abrem e fecham sorrateiramente, causando medo ou insegurança. A maioria dos profissionais de saúde e hospitais não são fonte de desperdício, mas de esperança. Todos sonhamos em dar e receber tratamento igualitário e justo. Buscamos energia no sorriso do paciente, mesmo que isso ocorra pela última vez.