O presente informativo tem por escopo analisar a possibilidade de contratação de profissionais que atuam na área da saúde através de pessoa jurídica, ou seja, contratação de pessoa jurídica cujo representante legal se trata do profissional médico propriamente dito.

De maneira geral, o intuito aqui será informar qual o entendimento da Receita Federal do Brasil e dos Tribunais Judiciários acerca da redução da contribuição previdenciária incidente nas relações de trabalho, concluindo sobre a possibilidade ou não da contratação das referidas pessoas jurídicas para prestação de serviços dentro dos hospitais contratantes, sem qualquer implicação penal e tributária, tanto para o contratante, quanto para o contratado.

Preceitua a Constituição Federal, em seu artigo 170, que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com expressa garantia para todos do livre exercício de qualquer atividade econômica. Portanto, o comando constitucional é claro ao permitir que qualquer pessoa poderá exercer qualquer atividade econômica, respeitando, entretanto, as limitações impostas pela lei.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[…]
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Em razão do menor custo tributário, tanto para o contratante, como para o contratado (prestador de serviços), desencadeou-se um aumento expressivo de constituição de pessoas jurídicas com o intuito de prestar serviços. Tanto que em 2005, a lei federal nº 11.196, em seu artigo 129, trouxe previsão expressa, para fins fiscais e previdenciários, sobre a prestação de serviços através de pessoas jurídicas, seja em caráter personalíssimo ou não:

Lei Federal nº 11.196/2005. Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.
Portanto, havendo prestação de serviços por meio de pessoa jurídica, mesmo que a atribuição das obrigações seja das pessoas físicas, e sendo esses serviços de natureza intelectual, assim compreendidos os científicos, os artísticos e os culturais, o tratamento fiscal e previdenciário deve ser aquele aplicável às pessoas jurídicas. Em suma, os profissionais prestadores de serviços poderão exercer suas atividades através de uma pessoa jurídica.

Apesar do permissivo legal acima mencionado, cumpre esclarecer que a criação de pessoas jurídicas para prestação de serviços personalíssimos encontra limite nos artigos 3º e 9º da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, que assim dispõem:

CLT. Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
[…]
Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Portanto, de acordo com o artigo 3º da CLT, será considerado empregado a pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Em outras palavras, para ser considerado um empregado, a pessoa física deve, cumulativamente, cumprir os seguintes requisitos:

pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação.
pessoalidade: a própria pessoa física é quem desempenha a atividade.
onerosidade: a pessoa física trabalha mediante uma recompensa pecuniária
habitualidade: o trabalho deve ser habitual, não pode ser esporádico.
subordinação: o empregador deve mandar no empregado.

No mesmo sentido, agora tratando da seara tributária, o artigo 116, parágrafo único, bem como o artigo 149, VII, ambos do Código Tributário Nacional, dispõem sobre a anulação de atos com a finalidade de simular situação jurídica inexistente com vistas a reduzir e aniquilar a carga tributária.

CTN. Art. 116. […]
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
[…]
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

Portanto, é possível afirmar que a Autoridade Fiscal, encontrando os elementos da relação de emprego entre o contratante e contratado, poderá desconsiderar o contrato de prestação de serviços por entender se tratar de uma simulação, e efetuar o lançamento tributário para cobrança dos tributos e seus consectários legais que deixaram de ingressar nos cofres públicos.

Resta saber, portanto, quais as situações que permitem ao fiscal desconsiderar a relação jurídica entre contratante e contratado para cobrança do tributo inadimplido, mais precisamente a contribuição previdenciária que o profissional médico pagaria se empregado celetista fosse.

Vale ressaltar que para a pessoa física ser considerada empregada ela deve, cumulativamente, cumprir os quatro requisitos da relação de emprego (pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação).

Pois bem, de início, vale observar que a pessoalidade não é requisito essencial para distinção em comento, visto que o artigo 129 da Lei Federal nº 11.196/2005, acima transcrito, menciona expressamente que a prestação de serviços por pessoa jurídica composta por profissional cuja atuação seja personalíssima (profissional médico, por exemplo), não viola a legislação fiscal e previdenciária.

De outro ponto, a habitualidade, ainda que seja requisito da relação de emprego, também não deve ser considerada para distinção no presente caso. Isso porque a habitualidade não apresenta relevância como fato distintivo entre a prestação de serviços por pessoa física ou jurídica, vez que tanto numa como em outra, a habitualidade, ou ausência desta, podem estar presentes. Nesse ponto é necessário recordar que nas relações comerciais também se instaura uma relação de confiança, decorrente do conhecimento da excelência na prestação de serviços do fornecedor habitual.

Igualmente, a onerosidade não deve ser levada em consideração para distinção da relação de emprego e da relação comercial, tendo em vista que tanto em uma quanto em outra o pagamento pela prestação dos serviços está presente.

Resta-nos, portanto, analisar o elemento subordinação como trato distintivo entre relação de emprego e relação comercial, que será, portanto, a solução da lide tributária instaurada no presente caso, que será encontrada a partir da comprovação, ou não, da existência da relação de emprego, consubstanciada pela comprovação da subordinação, entre as pessoas físicas que prestam serviços através de pessoas jurídicas.

Em termos simples, “subordinação é o aspecto da relação de emprego visto pelo lado do empregado, enquanto poder de direção é a mesma acepção vista pelo ângulo do empregador”¹. Em outras palavras, em uma relação de emprego, regida pela CLT, o empregado está subordinado aos mandos e desmandos do empregador, não possuindo qualquer discricionariedade quanto a execução de suas atividades, estando, portanto, plenamente vinculado às ordens do empregador.

Ocorre que, em uma relação comercial estabelecida entre contratante e contratada (Hospital/Clínica x pessoa jurídica), não há subordinação hierárquica, visto que as atividades, ainda que desenvolvida pelo profissional componente da pessoa jurídica, serão desempenhadas com independência.

Portanto, concluímos que em uma relação comercial estabelecida, por exemplo, entre um Hospital/Clínica e uma pessoa jurídica (cujos sócios são profissionais médicos), desde que não estejam cumulativamente presentes os requisitos da relação de emprego (pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação), não autoriza o Fisco a desconsiderá-la, sob o argumento de que se trata simulação, sendo necessário, por outro lado, que se comprove tal afirmação.

Por fim, o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais tem referendado o entendimento acima esposado, anulando diversas autuações em que as Autoridades Fiscais simplesmente desconsideraram as relações comerciais existentes entre contratante e contratada (Hospital/Clínica x pessoa jurídica) sob o argumento de que se tratavam de simulações com vistas a suprimir o pagamento de tributos, em especial a contribuição previdenciária.

Nos julgamentos em questão, os julgadores são enfáticos ao estabelecerem que deve-se analisar caso a caso, verificando a ocorrência ou não de relação de emprego simulada, sendo a subordinação o principal elemento analisado.

Portanto, é possível concluir que se não houver simulação maquiando uma relação de emprego, não há que se falar em desconsideração, por parte do fisco, da relação comercial estabelecida entre contratante e contratada (Hospital/Clínica x pessoa jurídica).

Alexandre Barros, advogado tributarista
OAB/SP 235.730