fonte: O Globo

No Brasil, o combate ao câncer é um na teoria e outro na prática. É o que especialistas concluíram ao analisar o ranking elaborado pela revista “The Economist” que mede o preparo dos principais países da América Latina para lidar com a doença. O índice, apresentado no fórum “War on Cancer”, realizado neste mês na Cidade do México, mostra queoBrasilocupaotopodalista na pontuação geral, sendo, portanto, o mais preparado entre as 12 nações estudadas. No entanto, há uma “pegadinha”: o país pontua bem nos aspectos relacionados a planejamento (94,4 pontos, num total de 100) e prestação de cuidados de saúde (84,1) —que envolvem registros nacionais de câncer, controle do tabaco e vacinação —, mas vai mal em itens relacionados a governança (54,1), basicamente ação política e atuação intersetorial. — Fico até triste, porque o ranking passa a impressão de queagenteestámelhordoque a realidade — afirmou Maira Caleffi, presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), durante o fórum: — O Brasil já tem uma estrutura de cobertura universal, e isso é ótimo, é mais do que a maioria dos nossos vizinhos. Só não conseguimos fazer a paciente ir do posto até o diagnóstico, e daí até o tratamento, tão rapidamente quanto ela precisa.

EM RITMO LENTO

Dados levantados pela “Economist” indicam algumas barreiras: dos 12 países analisados, o Brasil foi o único onde, nos últimos dez anos, os pacientes não diminuíram seus gastos pessoais com exames e tratamentos; entre 2007 e 2016, o investimento do governo federal em saúde teve aumento próximo de zero; e o país investe menos na área do que os 5% do PIB recomendados pela ONU — na região, apenas Uruguai, Chile, Costa Rica e Argentina investem percentual maior. Emmeio ao Outubro Rosa, o câncer de mama é um bom exemplo desse cenário: embora haja bons centros de tratamento, mastologistas e regulamentações médicas específicas, há também uma enorme demora para realizar diagnósticos e começara tratar. Em 2018, ao descobrir um câncer de mama aos 27 anos, Karen Stephanie Oliveira teve a primeira consulta pelo Sistema Único de Saúde (SUS) marcada somente para dois meses depois do diagnóstico. Com receio de esperar tanto tempo, ela fez consultas e até cirurgia na rede privada. Quando chegou à consulta do SUS, já estava pronta para seguir tratamento com quimioterapia e, depois, radioterapia. — Senti que cortei um atalho. Mas nem todas as pessoas podem pagar. Tive muita sorte de ter condições de fazer tudo muito rápido. Com certeza fez toda a diferença —diz ela, que, antes do diagnóstico, ouviu de duas ginecologistas que deveria esperar, porque era possível que o nódulo sumisse. Foi o namora doque insisti up araque ela procurasse outro médico.

CHANCES DE CURA

Segundo a presidente da Femama, um diagnóstico na fase inicial do tumor aumenta as chances de cura em 95%. No entanto, ela afirma que metade das brasileiras que desenvolvem a doença recebem o diagnóstico em fase avançada. —Tratar tumor avançado é complexo e caro. O Brasil não tem e não vai ter dinheiro para isso. Temos que investir na prevenção e no diagnóstico o mais precoce possível. Só assim reduziremos a mortalidade —diz Maira.

O Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima que neste ano sejam identificados cerca de 60 mil novos casos de câncer de mama no país. A doença representa a primeira causa de morte por câncer na populaçãofemininabrasileira, com 13 óbitos por cada 100 mil mulheres em 2017 — dados disponíveis mais recentes. O Uruguai, terceiro no ranking da “Economist” (veja ao lado), é tido por especialistas como exemplo na América Latina de melhorias aceleradasnaformadecombateradoença. Desde 2008, o país tem um sistema integrado de saúde baseado no modelo de atenção de países nórdicos. Alícia Ferreira Maia, diretora do Fundo Nacional de Recursos do Uruguai, responsável por alocar investimentos no sistema universal de saúde do país, destaca a decisão política de se investir em Saúde:

— No Uruguai, existe um consenso: saúde é política de Estado. Hoje, o país tem um déficit fiscal alto, de 5,5%. Mas houve uma escolha de não retirar gastos de projetos sociais e de saúde.

Ela opina que, apesar da força do SUS, a Lei do Teto de Gastos —que congela o limite máximo de investimento em saúde e educação por 20 anos —deveria ser revista.

“Tratar tumor avançado é complexo e caro. O Brasil não tem dinheiro para isso. Temos que investir na _ prevenção”

Maira Caleffi, presidente da Femama

O QUE DIZ O GOVERNO

O Ministério da Saúde informou, em nota, que averba para controle do câncer no SUS dobrou de 2010 (R$ 2,2 bilhões) para o ano passado (R$ 4,4 bilhões ). A indano comunicado,afirmou que até agosto deste ano já foram gastos R$ 3,7 bilhões. Também listou 309 estabelecimentos do SUS especializados em oncologia e todos os programas voltados ao tratamento da doença.

“No Uruguai, existe um consenso: saúde é política de Estado. Há 15 anos, priorizamos o financiamento da saúde”, diz Alícia Maia, diretora do Fundo de Recursos do Uruguai