Olá, amigos.

Hoje é dia de aniversário de fundação da CIPERJ. As datas simbólicas são feitas para reflexão, retomada de caminhos. E eu acho que o que temos que refletir de mais urgente é para que estamos aqui, para que nos associamos, afinal. Que sentido faz este organismo independente e conciso, mas feito de todos e de cada um, a CIPERJ.

Não somos o braço executor do direito trabalhista, quem faz isso é o Sindicato. Mas estamos aqui para buscá-lo e para noticiá-lo. Não existimos para conseguir os interesses individuais de cada um ou de grupos estanques. Quem precisa fazer isso é cada pessoa, cada grupo, em nome de suas próprias idiossincrasias, limites e interesses. Mas estamos aqui para apoiar cada um e para achar os pontos comuns, para obedecer a um norte de e para todos, mas servir a cada um dentro deste universo, para ser um fundo de maior força para se reivindicar o que se necessita. Uma parede feita de todos, para proteger cada um. Precisamos e pretendemos respeitar cada um, mas funcionar em função de um todo. Não temos o poder de fiscalizar e determinar. Quem faz isso são os Conselhos de Medicina, por força de lei. Mas estamos aqui para cobrar e sugerir. Existimos para ser a consciência de um grupo de especialistas, como o arauto de nossas particularidades, como a face visível da cirurgia pediátrica no Rio de Janeiro.

Ouço muito e ouvi muito, a vida inteira, de muita gente, uma única frase: “Para que pagar à sociedade se ele não faz nada por mim?”. Acho que um problema da frase é colocar a sociedade como um organismo à parte ao qual não se pertence. Olha-se de fora e se diz que “a sociedade” não “me” serve. A sociedade só existe em função de todos. Cada pessoa que faz esta reclamação faz parte dela. Ou, se não acha assim, está se associando à toa. “A sociedade” somos nós, todos e cada um. A passividade de esperar que tudo apareça feito, aconteça pela mão “da sociedade”, por alguma mágica da entidade, simplesmente não pode funcionar. Outro problema é o “nada por mim”. O eu pesa, mas o grupo pesa mais. Os interesses de todos são o foco principal. É assim. Tem que ser assim. E funciona só se for assim. Cada um tem a sua própria miopia, e é preciso encontrar pontos comuns. Cada verdade tem muitos lados.

Somos um grupo bastante pequeno. Uma proporção muito pequena dos cirurgiões. 0,2% dos médicos. Servimos a um grupo de pessoas sem poder e responsabilidade civil. Gente que não vota e que não paga imposto. Crianças. Ou conseguimos visibilidade ou não existimos. Ou temos coragem para mostrar a que viemos e porque somos necessários ou não existimos. Precisamos, numa sociedade selvagem num momento difícil, mostrar porque atender cidadãos indefesos e desprovidos de poder é fundamental. Precisamos convencer uma sociedade pragmática e violenta que crianças são fundamentais porque elas são a reserva de futuro. Precisamos convencer um governo que nos ignora (provavelmente não conhece o que fazemos) e que tem idéias retrógradas de que a única coisa fundamental em saúde é atenção primária que nós, superespecialistas, somos também fundamentais. Que nós não podemos ser substituídos por um “genérico”.  Precisamos convencer uma sociedade pragmática e violenta, “prática” e comprometida com resultados que a reserva moral é fundamental. Tarefa muito difícil.

Ou paramos de competir em níveis irracionais ou acabamos. Ou enxergamos que se quando a farinha é pouca não adianta colocar o seu próprio pirão primeiro, porque ele acaba também ou perecemos. Precisamos multiplicar a farinha, não acabar com o pirão.

Em última instância a CIPERJ é uma face para nós. Reserva moral. Coisa que muita gente prática diz que não faz mais sentido. Só o pragmatismo e a gestão constroem. Coisa que a política de coalisões e de resultados varreu. Mas é? Algo se constrói realmente sem bases no existencial, no fato moral, que é o único permanente na história? Algo tem sentido se não considera a vida como bem definitivo e essencial?

Hoje há uma coluna interessante na Folha de São Paulo, chamada “Covardia” (http:http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2014/09/1509392-covardia.shtml). Nela o articulista desenvolve o tema da função do governante. Nela se diz que é preciso coragem além do consenso, em algumas ocasiões. Sim, democracia é um espaço onde todos podem ter voz. Mas não é só uma questão de somar votos, é uma questão de chegar a um consenso. De idéias, não simplesmente numérico. Nela se demonstra que a realidade é maior do que o momento, e é preciso escolher num horizonte maior. Dela se depreende que é preciso ver a paisagem inteira, além do meu hoje, além dos meus planos. Além das fronteiras do meu hospital, do meu consultório. Só assim “eu” chego. E os outros também.

Feliz aniversário!

Lisieux Eyer de Jesus
presidente da CIPERJ