fonte: Folha de SP

por Alexandre Kalache, médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)
por Anelise Fonseca, PhD, geriatra titulada pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG-AMB), tesoureira da atual gestão da SBGG-RJ

Desde o início da pandemia, os profissionais de saúde enfrentam situações de medo, angústia, apreensão e insegurança, além de mudanças contínuas que exigem tomadas de decisões complexas.

As consequências de estarem sob risco constante de contaminação, o afastamento de familiares e tantos projetos ceifados como se em uma guerra —suprindo trincheiras vazias— se prolongarão por anos, mesmo entre os mais resilientes.

Muitos estão exauridos. Grande é o impacto em sua saúde mental, como mostram dados dos Conselhos Federais de Medicina e Enfermagem, que registram uso abusivo de drogas, medicamentos psicotrópicos, álcool e mesmo suicídio.

Outros manifestam frustração e impotência, desilusão com o sistema de saúde, arrependimento quanto à escolha da profissão. Não basta glorificá-los ou considerá-los heróis: urge dar a eles o suporte necessário.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) elegeu 2021 como o ano do profissional de saúde, e a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (seção RJ) promoveu em julho um evento online sobre o tema.

Os participantes assinalaram a necessidade de serem ouvidos e incentivados a olhar para si, em um mergulho interior, mesmo que doloroso, para compreender que altruísmo não é apenas se doar sem reservas para o outro. Inclui também o autocuidado, que implica uma atenção plena às suas dificuldades e limitações.

Em paralelo, como uma forma de alento, observa-se o crescente debate sobre a importância do bem-estar, do autocuidado e do cultivo de habilidades focadas em comunicação empática e acolhedora.

O evento ressaltou a necessidade do cultivo da empatia, a fim de alcançar a conexão necessária de modo a expressar o acolhimento e a humanização daqueles que sofrem. Como o impacto maior da pandemia segue sendo nas pessoas idosas, o treinamento em aspectos gerontológicos daqueles que deles cuidam aflorou com a crise sanitária.

Um legado positivo da pandemia é a valorização da dimensão espiritual, que deve estar na pauta do profissional de saúde. Falar de espiritualidade não é necessariamente falar de religião.

Mesmo na ausência de um consenso na literatura cientifica, o tema tem sido destacado nos últimos anos. A sua essência está na descoberta do propósito que guia o profissional, na consciência do seu papel. Como ele executa suas atividades, percebe seus valores, sua motivação, seu sagrado, seu inegociável? O que o faz seguir mesmo com adversidades extremas?

É no âmago desse sofrimento que o profissional da saúde se resgata como o “cuidador ferido”. Expandindo-se na sua espiritualidade, reconcilia-se com suas próprias dores e se entrega a cuidar do outro. Contudo, se esta entrega é uma força, é também uma carência indizível do cuidado que necessita para si.