A CIPERJ disponibiliza em seu site uma série de publicações sobre doenças frequentes que podem ser diagnosticadas e tratadas precocemente com a orientação do cirurgião pediátrico.

O tema desta vez é Torcicolo Congênito, uma alteração muscular muito frequente na infância, conforme explica a Dra. Maria Aparecida Siqueira de Andrade, coordenadora assistencial do Hospital Federal Cardoso Fontes.

Confira, abaixo, informações que servem de alerta para que os familiares possam buscar o tratamento correto.

TORCICOLO CONGÊNITO: COMO IDENTIFICAR E TRATAR?

  • O que é um torcicolo congênito?

Um torcicolo é causado por uma contratura (“espasmo constante”) da musculatura lateral do pescoço. Pode ter várias causas, inclusive ser secundário a outras doenças, e pode apresentar diferentes níveis de gravidade.

Quando a contratura está presente em bebês e recém-nascidos denominamos de Torcicolo Congênito (TC).

Esta condição afeta 0,04 a 1,9% da população desta faixa de idade é a terceira alteração músculo-esquelética mais frequente da infância, sendo superada em frequência apenas pelo pé torto congênito e pela displasia congênita do quadril.

A doença é causada pela contração constante de um dos músculos laterais do pescoço, o esternocleidomastóideo (ECM). As ações normais deste músculo são flexão, rotação e inclinação da cabeça, que ficam muito prejudicadas.

A redução da amplitude do músculo pode ser percebida pela posição constante da cabeça virada para um só lado, elevação do ombro do lado afetado e pela incapacidade de fletir a cabeça.

 

  • Como reconhecer?

Em geral, os pais observam que a cabeça está constantemente inclinada para o lado do músculo contraído, com o queixo em direção ao ombro do outro lado, por volta da segunda/terceira semana de vida. Também é comum a posição preferencial de dormir de lado ou “de bruços”, com o lado do pescoço afetado encostado no travesseiro, para reduzir a tensão.

Há uma redução na amplitude dos movimentos do pescoço. Depois de algum tempo, pode ser palpado um nódulo “dentro” do músculo. Esta tumoração, mais exuberante a partir da terceira semana de vida, pode chegar ao tamanho de uma amêndoa, com cerca de 3cm aos 2 meses de vida, e costuma desaparecer progressivamente até o oitavo mês de vida.

  • O que causa?

Na maioria dos casos a causa é desconhecida (os médicos chamam de “idiopática”). Algumas teorias sugerem um mau posicionamento do bebê intraútero ou um traumatismo durante partos difíceis como causa. Alguns autores sugerem uma possível isquemia muscular durante a gestação ou a manifestação de uma desordem de posição intrauterina causando um sofrimento do ECM, mais frequente nas apresentações pélvicas (bebês “sentados” no útero). A compressão durante o parto também pode contribuir para a redução do suprimento sanguíneo e sofrimento do músculo.

É importante excluir a possibilidade (rara) de torcicolo (secundário) causado por anormalidades na coluna, doença neurológica ou estrabismo.

O Torcicolo Congênito (TC), se não for reconhecido e tratado, leva a um encurtamento muscular prolongado, fazendo com que o bebê permaneça em atitude constante da cabeça para um só lado e o músculo se torne rígido e fibrosado permanentemente. Isso, ao longo do tempo, provoca pressão assimétrica do crânio e sobre os ossos da face, gerando deformidades permanentes (hemihiploplasia facial, com assimetria do rosto e Plagiocefalia – achatamento de parte do crânio).

  • Como diagnosticar?

O diagnóstico é feito no exame físico da criança. A inspeção vai observar limitação nos movimentos do pescoço, elevação do ombro no lado do músculo contraído e a posição da cabeça inclinada para o mesmo lado e rodada para o lado oposto.

Na palpação percebe-se um nódulo no músculo em alguns casos, mais facilmente a partir da terceira semana de vida, podendo aumentar de tamanho até uns 3cm após um mês, e que diminui progressivamente até desaparecer por volta do oitavo mês de vida.

Alguns exames complementares podem confirmar a origem muscular e excluir outras causas de torcicolo. Uma Radiografia do pescoço é importante para excluir a presença de malformações ósseas (na coluna vertebral). Um ultrassom pode avaliar os tecidos cervicais e monitorar o nódulo cervical ao longo do tratamento e pós tratamento. A Ressonância Magnética é raramente usada, mas pode ser útil para descartar causas não musculares em casos escolhidos.

  • Diagnóstico diferencial

Devem ser descartadas outras doenças, principalmente:

– Anomalias vertebrais (hemivertebras, escoliose, tumores da coluna vertebral)
– doenças neurológicas
– ausência congênita do musculo ECM
– estrabismo.

  • Significado Clínico

O tratamento deve ser iniciado o quanto antes, porque a persistência do músculo encurtado leva à restrição de rotação e flexão lateral do pescoço, e a criança assume uma posição viciosa. A pressão assimétrica constante sobre o crânio leva a um “achatamento”, podendo causar assimetria craniofacial (Plagiocefalia posicional e/ou Hemihipoplasia facial).

As restrições ao movimento também podem afetar o posicionamento adequado para amamentação, o desenvolvimento motor, a linguagem e o equilíbrio nas diversas posições de sentar e engatinhar quando o problema não é corrigido a tempo. Poderão surgir mecanismos compensatórios discrepantes que podem levar ao desenvolvimento de escoliose no futuro.

Apesar destes riscos, a perspectiva é boa com um diagnóstico e tratamento precoce.

O tratamento conservador, quando iniciado antes do primeiro ano, é bem sucedido em mais de 80% dos casos. Após o primeiro ano, a presença de assimetria facial e a limitação grave das amplitudes articulares cervicais são fatores de mau prognóstico.

  •  Como deve ser o tratamento?

O tratamento é essencialmente clínico, por meio de Fisioterapia, visando aumentar a amplitude do movimento do pescoço e prevenir contraturas persistentes, através do alongamento passivo da musculatura, além de massoterapia, realizadas e orientadas por Fisioterapeuta.

Os pais participam ativamente, através das repetições da abordagem fisioterápica em casa, além de colocar brinquedos, objetos desejados e estímulos visuais no lado oposto, estimulando o bebê a girar a cabeça.

O critério para a cura do torcicolo congênito e alta da Fisioterapia consiste na avaliação clínica e na ausência/diminuição progressiva do nódulo cervical à palpação. É observado um posicionamento normal da cabeça e a livre amplitude dos movimentos cervicais.

O tratamento cirúrgico é restrito aos poucos casos de insucesso do tratamento fisioterápico, especialmente se o diagnóstico é muito tardio (após o primeiro ano de vida), quando deformidades como a Hemihipoplasia facial e as restrições de movimento são mais graves.

A técnica operatória consiste em ressecção da contratura fibrosa, alongamento do músculo encurtado, tenotomias ou até ressecção do ECM, sempre dependendo do caso.

  • Coordenadora assistencial do Hospital Federal Cardoso Fontes;
  • Professora de Clínica Cirúrgica da Graduação em Medicina da Universidade Estácio de Sá;
  • Cirurgiã Pediatra do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro;
  • Membro do Conselho Editorial da Revista CIPERJ.