fonte: Medscape

Uma análise de sequenciamento de amostras de sangue obtidas até 22 anos antes do diagnóstico de leucemia linfocítica crônica (LLC) sugere que a fase pré-clínica da doença esteja presente bem antes do que se pensava, mesmo em casos de prognóstico adverso.

Análises anteriores mostraram que a linfocitose monoclonal de células B, um estado precursor da LLC, foi detectada até seis anos antes do diagnóstico da LLC, explicaram os pesquisadores, observando que “a outra característica imunogenética de relevância para o prognóstico da LLC diz respeito ao estereótipo das imunoglobulinas do receptor de células B”.

“De fato, subconjuntos estereotipados distintos podem ser definidos pela expressão de motivos de sequência compartilhados e estão associados a apresentações e resultados particulares”, explicaram o Dr. P. Martijn Kolijn, Ph.D., pesquisador do departamento de imunologia do Centro Médico Erasmus, na Holanda, e colaboradores em um breve relato publicado on-line no periódico Blood.

Em um esforço para “obter informações sobre a composição do repertório das imunoglobulinas do receptor de células B durante os estágios iniciais da LLC”, os pesquisadores utilizaram o sequenciamento de última geração para analisar 124 amostras de sangue coletadas de indivíduos saudáveis até 22 anos antes de receberem um diagnóstico de LLC ou linfoma linfocítico de pequenas células. Outras 118 amostras de controle pareadas também foram analisadas.

Os participantes do estudo estavam inscritos na coorte European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC).

“Primeiro, sem surpresa, observamos uma diferença significativa na frequência do clonótipo (do inglês clonotype) dominante em pacientes com LLC versus controles com uma frequência média de 54,9%, em comparação com apenas 0,38% nos controles”, escreveram.

Entre 28 pacientes cujas contagens de linfócitos foram medidas no início do estudo, 10 mostraram evidência de linfocitose até oito anos antes do diagnóstico de LLC.

Isso sugere casos não diagnosticados de linfocitose monoclonal de células B de alta contagem (casos com contagem de células acima de 0,5x 109 células/L, que podem progredir para LLC) ou LLC assintomática, explicaram.

“Por outro lado, os resultados de sequenciamento de última geração mostraram uma distorção detectável do repertório do gene IGHV (sigla do inglês immunoglobulin heavy chain variable region) em 21/28 pacientes até 15 anos antes do diagnóstico de LLC, muitas vezes na ausência de contagens elevadas de linfócitos”, escreveram eles. “Notavelmente, alguns pacientes com LLC que necessitam de tratamento e que tiveram transformação clínica para um linfoma de células B agressivo apresentaram uma distorção considerável no repertório do gene IGHV mesmo 16 anos antes do diagnóstico da LLC”.

Os pacientes com um clonótipo dominante não mutado de IGHV pré-diagnóstico tiveram uma sobrevida global significativamente menor após o diagnóstico de LLC do que aqueles com um clonótipo mutante de IGHV, eles observaram.

“Além disso, em momentos iniciais (> 10 anos antes do diagnóstico), os pacientes com uma alta frequência de clonótipo dominante tinham maior probabilidade de sofrer mutação do IGHV, enquanto mais perto do diagnóstico essa tendência foi perdida, indicando que a fase pré-diagnóstica pode ser ainda maior que 16 anos para pacientes com LLC e a mutação, acrescentaram.

Os pesquisadores também descobriram que:

  • Vinte e cinco pacientes eram carreadores de imunoglobulinas do receptor de células B estereotipadas até 17 anos antes do diagnóstico de LLC, e destes, 10 clonótipos foram atribuídos a subgrupos menores e 15 a subgrupos principais de LLC. Entre estes últimos, 14 dos 15 pertenciam a subgrupos de alto risco, e a maioria deles apresentou tendência de evolução mais rápida da doença.
  • A alta frequência do clonótipo dominante foi evidente em amostras obtidas menos de seis anos antes do diagnóstico, enquanto os clonótipos estereotipados de alto risco encontrados mais tempo antes do diagnóstico (a partir de 16 anos) tendiam a ter uma frequência de clonótipo dominante mais baixa (< 20% do repertório do gene IGHV)
  • As imunoglobulinas do receptor de células B estereotipadas corresponderam ao clonótipo no diagnóstico para os pacientes com material diagnóstico.
  • Nenhum subconjunto estereotipado foi identificado entre os clonótipos dominantes dos controles saudáveis.

“Até onde sabemos, a dinâmica do surgimento da biclonalidade em um paciente com linfocitose monoclonal de células B e a progressão subsequente para LLC nunca foram capturadas de maneira tão convincente”, observaram.

Os achados “ampliam o conhecimento atual sobre a evolução do repertório do gene IGHV antes do diagnóstico de LLC, destacando que mesmo os subtipos de LLC de alto risco podem apresentar um estágio pré-clínico indolente prolongado”, acrescentaram, especulando que “aberrações genéticas somáticas, auto estimulação, influências epigenéticas e/ou microambientais são necessárias para a transformação em LLC evidente”.

Os pesquisadores também observaram que, uma vez que a distorção observada no repertório do gene IGHV ocorre frequentemente antes da linfocitose de células B, eles consideram os achados “uma nova extensão para a caracterização da linfocitose monoclonal de células B”.

“Mais estudos podem ser inestimáveis na distinção clínica entre linfocitose monoclonal de células B ‘progressiva’ versus ‘estável’. No entanto, enfatizamos que a detecção precoce só é recomendada se fornecer benefícios claros ao atendimento ao paciente”, concluíram.

Em um comentário relacionado, o Dr. Gerald Marti, Ph.D., médico do National Heart, Lung, and Blood Institute, enfatizou que os resultados “representam a detecção mais precoce de uma célula precursora clonal para LLC”.

Eles também levantam novas questões e apontam para novas direções para a pesquisa, observou o Dr. Gerald.

“Para onde vamos a partir daqui? A LLC tem uma longa história evolutiva na qual a ramificação precoce pode começar como um processo oligoclonal (estimulação do antígeno) e incluir mutações condutoras”, escreveu ele. “Uma análise de longo prazo do repertório de células B na LLC familiar pode lançar luz sobre esse processo. Um esclarecimento adicional dos mecanismos da senescência imune relacionada à idade também é de interesse”.