fonte: MedScape

Dizem que o conhecimento médico duplica a cada 73 dias, o que dificulta muito a tarefa de acompanhar as descobertas inovadoras e as diretrizes mais recentes para ajudar os pacientes. Mas não fazê-lo pode colocar os médicos em risco.

A maioria dos médicos se sentem perdidos no quesito atualização, disse o Dr. John P. A. Ioannidis, médico e professor na Stanford University School of Medicine, Estados Unidos. “A grande maioria dos novos estudos contém erros ou é inútil, mas os médicos não conseguem identificar quais são esses estudos.”

O grande número de novos estudos pode até mesmo forçar alguns médicos a se retirarem de áreas cujos avanços não conseguem acompanhar, disse o Dr. Stephen A. Martin, médico e professor de medicina da família e saúde da comunidade na UMass Chan Medical School nos EUA. “Quando os médicos sentem que não conseguem se manter atualizados, podem acabar encaminhando mais casos para especialistas ou restringir o foco [de atuação]”, afirmou.

O desafio é maior para algumas especialidades

O Dr. Stephen disse que a enxurrada de estudos impacta fortemente os médicos generalistas, porque eles têm mais informações para acompanhar. No entanto, certas especialidades, como a oncologia, são particularmente inundadas de novas descobertas.

As especialidades com o maior número de estudos publicados são, segundo consta, a oncologia, a cardiologia e a neurologia. Uma pesquisa de 2021 constatou que o número de artigos contendo os termos “acidente vascular cerebral” aumentou cinco vezes do ano 2000 para 2020. E os tratamentos experimentais para o câncer quase quadruplicaram apenas entre os anos 2010 e 2020.

Além do mais, os médicos perdem muito tempo vasculhando estudos que, em última análise, são inúteis. Em uma pesquisa da Univadis (que pertence à Medscape Professional Network) feita com internistas, 82% dos participantes disseram que menos da metade dos estudos que leram realmente tiveram algum impacto em sua conduta clínica.

“Muitas vezes é preciso ir a fundo em um artigo e aprender mais sobre uma descoberta antes de saber se é útil”, disse o Dr. Stephen. “E, por fim, relativamente poucos novos achados são realmente novos e úteis para o atendimento do paciente.”

Então, o que fazer? Primeiro, descubra o que você não sabe

A procura de novas descobertas precisa ser feita com sistemática, segundo o Dr. William B. Cutrer, intensivista pediátrico, decano associado de graduação em educação médica na Vanderbilt University School of Medicine nos EUA.

“Antes de começar, você precisa descobrir o que você não sabe, e isso muitas vezes não é tão fácil”, disse o médico. “Você pode ter uma noção do que você não sabe em um encontro com um paciente ou com um colega ou por meio de dados de resultados dos pacientes”, explicou.

O Dr. Stephen, por outro lado, defende uma abordagem ampla que contemple descobrir pelo menos um pouco sobre tudo na área de especialidade. “Se o médico tem uma boa base, ele não está começando do zero ao encontrar um novo caso clínico”, disse.

“A ideia é que não seja necessário memorizar a maioria das coisas, mas é preciso saber como acessá-las”, disse o Dr. Stephen. “Eu memorizo o que faço o tempo todo, como a posologia ou o exame indicado, mas consulto as informações que não vejo com frequência e que têm algum grau de complexidade.”

Atualizando os caminhos antigos

Durante gerações, os médicos se mantiveram atualizados frequentando congressos, conversando com colegas e lendo periódicos especializados, mas muitos médicos modernizaram esses métodos por meio dos vários recursos disponíveis na internet.

Por exemplo, os congressos foram virtuais durante a pandemia, e agora que os encontros presenciais estão de volta, muitos mantêm uma opção de participação remota, disse o Dr. Kevin Campbell, cardiologista no Health First Medical Group nos EUA. “Eu normalmente vou a um ou dois congressos por ano, mas também aprendo muito por meio digital”, disse o Dr. Kevin.

Quanto à leitura de periódicos, “avaliar um artigo é uma habilidade fundamental”, disse o Dr. William. “É importante decidir rapidamente se vale a pena ou não ler um artigo de um periódico. Uma solução para este problema é consultar resumos de artigos importantes. Mas os resumos às vezes são inúteis e fica difícil saber quais artigos são importantes. Assim, os médicos têm procurado outras pessoas que possam pesquisar os artigos para eles.”

Por muitos anos, alguns médicos reuniram seus recursos em clubes de revista, em que “o profissional tem a oportunidade de cruzar suas capacidades com as dos outros”, disse o Dr. John. “Mas é preciso de alguém que esteja bem informado e que se dedique a administrar o clube de revista, usando os princípios baseados em evidências.”

O Dr. William disse que os médicos gostam de usar várias estratégias de se atualizar, porque são compreensivelmente cautelosos em modificar seu atendimento com base em algum estudo. “A menos que haja um grande estudo que seja realmente bem projetado, os médicos precisarão de duas ou mais descobertas para serem convencidos”, disse. Isso requer a capacidade de combinar pesquisas publicadas em vários periódicos.

Usando resumos de pesquisa

Nas duas últimas décadas, os médicos passaram a ter acesso a inúmeros resumos de artigos preparados por legiões de especialistas clínicos que trabalham para serviços de revisão, como o “Journal Watch” do periódico New England Journal of Medicine, o “In the Clinic” do Annals of Internal Medicine e o “State of the Arts” do BMJ.

Além de resumir em linguagem simples os achados de uma ampla variedade de periódicos, os revisores podem compará-los a estudos semelhantes e avaliar a validade do achado atribuindo a ele um nível de evidência.

Alguns empreendimentos comerciais fornecem serviços semelhantes. Betsy Jones, vice-presidente executiva de decisões clínicas na EBSCO, disse que o serviço DynaMed está agora disponível em um aplicativo de smartphone para os médicos ou no prontuário eletrônico nos EUA.

Os médicos gostam dessa opção. Muitos especialistas declararam que ler artigos completos não foi um uso eficiente de seu tempo, enquanto ainda mais disseram que as revisões são eficientes.

Troca de informações on-line

Os médicos estão se mantendo cada vez mais atualizados usando a internet, especialmente pelas redes sociais, disse o Dr. William. “Os jovens médicos, particularmente, são mais propensos a se manter informados por meios digitais”, disse.

As informações obtidas na internet tornaram-se tão difundidas que as disparidades nos atendimento à saúde diminuíram um pouco de região para região, segundo o Dr. Stuart J. Fischer, cirurgião ortopédico na Summit Orthopaedics and Sports Medicine nos EUA. “Um resultado positivo dessa infinidade de informações hoje em dia é que as disparidades geográficas na prática clínica não são tão grandes quanto costumavam ser”, disse o médico.

Em vez de conversar com colegas no corredor, muitos médicos passaram a confiar em fóruns de discussão na internet.

Blogues, podcasts e Twitter

Os blogues e podcasts, muitas vezes voltados para especialidades específicas, podem ser uma ótima maneira de acompanhar as novidades na medicina, disse o Dr. Stephen. “Os podcasts, em particular, melhoraram a capacidade de se manter atualizado”, disse. “Os médicos querem encontrar alguém confiável.”

Entre os podcasts de medicina interna, há o Annals on Call, em que os médicos discutem artigos publicados no periódico Annals of Internal Medicine e o The Curbsiders, no qual dois internistas entrevistam um especialista convidado.

Os cirurgiões ortopédicos podem escutar podcasts como Nailed itOrthobullets, Ortho Show e Inside Orthopedics. Os neurologistas podem ouvir Brainwaves, Neurology Podcast, Practical Neurology Podcast e Clinical Neurology with KD. E os pediatras podem entrar em Talking Pediatrics, The Cribsiders e PedsCases.

Enquanto isso, o Twitter se tornou uma maneira particularmente eficaz de transmitir novas descobertas, acelerando a transição da bancada para o leito, disse o cardiologista Dr. Kevin.

“Eu acesso recursos específicos para cardiologia no Twitter”, disse o especialista. “Podem ser conversas por vídeo em tempo real ou mensagens postadas. Isso estimula a discussão como em um clube de revista. Os participantes apresentam casos e podem entrar e sair da conversa [quando quiserem].”

Outros não são tão entusiastas das ferramentas virtuais. Embora o Dr. John resida no âmago do Vale do Silício, ele desconfia de alguns dos novos métodos digitais. “Eu não uso o Twitter”, disse. “Isso só acrescenta mais pessoas ao processo [de atualização do conhecimento], o que pode só tornar as coisas mais confusas. Eu quero poder refletir muito sobre [os assuntos].”

Conhecimento de vanguarda no local de atendimento

Consultar a literatura muitas vezes ocorre no local de atendimento, quando determinado paciente precisa de tratamento. Nos EUA, isso pode ser feito usando o apoio à decisão clínica e usando diretrizes de prática clínica, tipicamente criadas por grupos de médicos especialistas das sociedades de especialidades.

“Antigamente esperava-se que o médico soubesse tudo”, disse Betsy, da DynaMed. “Hoje em dia não há como acompanhar tudo. Os médicos muitas vezes precisam de um refresco rápido de memória.”

Betsy disse que o resultado do apoio à decisão clínica sempre exige a interpretação do médico. “Cabe ao médico decidir se uma nova descoberta é a melhor escolha para seu paciente”, disse.

O Dr. Stephen recomenda a facilitação do acesso aos recursos de informação nos locais de atendimento. “Eles podem ser usados para mostrar a um paciente uma lista de diagnóstico diferencial ou verificar o custo de um procedimento, mas são mais difíceis de usar para [acessar] novas descobertas, que exigem tempo e contexto de avaliação de seus impactos”, disse o médico.

As diretrizes de conduta, entretanto, têm lugar de destaque no mundo da pesquisa. Em um estudo de 2018, o Dr. John descobriu que 8 dos 15 artigos mais citados eram diretrizes de conduta, definições de doenças ou estatísticas de doenças.

O Dr. Stuart disse que as diretrizes de conduta são tipicamente baseadas em revisões minuciosas da literatura, mas exigem a interpretação científica dos especialistas. “Pode ser difícil obter respostas específicas para algumas questões médicas, especialmente para problemas com tratamentos complexos ou com variações [nos sinais e sintomas]”, disse o especialista.

Como conclusão, o Dr. Stuart disse que os médicos precisam usar sua capacidade de análise na aplicação das diretrizes de conduta para cada paciente. “Por exemplo, o cirurgião ortopédico normalmente recomendaria a substituição total do quadril para os pacientes com problemas no quadril, mas isso pode não ser apropriado para um paciente com excesso de peso.”

Seja cético

Existem muitas novas maneiras de os médicos se manterem atualizados, como por meio de resumos de artigos, fóruns de discussão, blogues, podcastsTwitter, apoio à decisão clínica e diretrizes de conduta.

Mesmo com todos esses novos serviços, os médicos precisam manter uma quantidade saudável de ceticismo sobre as novas descobertas das pesquisas, disse o Dr. John. “Faça perguntas como: este estudo analisa um problema real? Estou recebendo a informação real? É relevante para pacientes reais? [Essa solução] tem um bom custo em relação ao benefício?”