fonte: O Globo
O crescimento, que levou o Brasil
a ser a sétima economia do mundo, tem possibilitado
avanços no acesso à Saúde.
Aparelhos de alta complexidade — tomógrafos
computadorizados, ressonância magnética,
ultrassom e mamógrafo —, antes restritos
aos grandes centros, estão hoje em todos
os estados do país. Ainda assim, a distribuição
desigual atinge as redes pública e privada.
No SUS, em julho de 2013, 22 estados ainda não
tinham tomógrafos suficientes para atingir
a taxa recomendada pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) e usada pelo Ministério
da Saúde. Desses, 15 eram das regiões
Norte e Nordeste. Na rede privada — que oferece
equipamentos para usuários de planos de saúde,
para pacientes que o SUS encaminha mediante pagamento
e para os que pagam diretamente ao estabelecimento
—, dez estados não tinham a taxa recomendada,
sendo todos no Norte e no Nordeste. As informações
são do Cadastro Nacional de Estabelecimentos
de Saúde (CNES), preenchido por gestores
de todo o país e utilizado pelo ministério.
Essa desigualdade é confirmada
por pesquisa inédita do Instituto de Estudos
de Saúde Suplementar (IESS), que analisa
como o setor e a infraestrutura privada evoluíram
entre 2006 e 2011. O estudo aponta que os cinco
estados com maior PIB — São Paulo,
Rio, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná
— ocupam posição no ranking
dos 10 melhores quando são vistos os índices
de equipamentos privados de diagnóstico.
Além disso, os cinco estados concentram a
maioria das pessoas com plano de saúde (72,6%)
e têm índice de disponibilidade de
tomógrafos, mamógrafos e ressonância
magnética superiores aos do Reino Unido.
A pesquisa mostra ainda que no Rio, por exemplo,
a disponibilidade de ressonância magnética
é maior que o recomendado e está acima
do índice de toda a Alemanha. E que, ao todo,
no país, o setor é detentor de mais
de 62% dos equipamentos de alta complexidade
— Essa correlação
direta entre PIB per capita e gasto com saúde
já foi mostrada também por estudos
estrangeiros. Mas, com a quantidade de mamógrafos
que o Rio tem, outros cinco estados com a mesma
população poderiam ser atendidos.
Mesmo Rondônia, tem 4,7 vezes o número
de mamógrafos recomendados pela OMS. E tem
5,44 vezes o número de aparelhos de ressonância.
Enquanto isso, o Amapá não cumpre
a recomendação e tem um aparelho para
ser usado pelo SUS e pela rede privada. No entanto,
esses equipamentos deveriam ser alocados para ter
o uso maximizado, atendendo o maior número
de pessoas nas duas redes — diz Luiz Augusto
Carneiro, superintendente-executivo do IESS, que
defende uma espécie de incentivo para que
a iniciativa privada se instale nas regiões
mais pobres:
— Se o setor público
não supre a demanda, um incentivo fiscal,
uma facilitação na importação
desses equipamentos podem ajudar a diminuir a desigualdade.
Não é à toa que a disponibilidade
é maior nos estados mais ricos. Isso segue
a lógica econômica. Mas será
que essa sobreoferta no setor privado gera exames
desnecessários? Isso não onera o sistema?
Médica, professora e coordenadora
do Laboratório de Economia Política
da Saúde da UFRJ, Ligia Bahia explica que
esses aparelhos já estão “quase
nas categorias dos equipamentos básicos”.
— Tomografia é fundamental
tanto nas emergências quanto para o diagnóstico
de câncer, para problemas ortopédicos
e doenças progressivas. Mamografia é
obrigatório no Brasil, mas o IBGE mostra
que mulheres que têm planos fazem mais mamografias
do que as que não têm. A concentração
de equipamentos em algumas áreas faz com
que os diagnósticos continuem sendo dados
quando o estágio da doença já
é avançado. Fora os que morrem sem
sequer serem diagnosticados, quando o acesso tem
que ser para todos. Não faz sentido que as
pessoas tenham direitos diferenciados em São
Paulo e no Maranhão — diz Ligia, lembrando
que, ainda que o acesso venha sendo ampliado, não
é possível ver esse esforço
de forma homogênea: — Isso é
característica do subdesenvolvimento: sobra
de recursos e ao mesmo tempo absoluta escassez.
De acordo com Ligia, parte da solução
passa por uma espécie de regulação
do setor. Para ela, não basta que haja expansão
da rede hospitalar:
— O governo federal poderia
definir o que o SUS e a rede privada devem ofertar
nos estabelecimentos. Não é para que
todos os municípios tenham aparelhos de alta
complexidade, mas podem existir polos. Por que o
governo não regula a entrada de qualquer
equipamento? Por que aceitar ter mais um no Rio
e não no Piauí? E o governo pode ainda
estimular o investidor. Mas, se um estado não
atinge a taxa da OMS, isso deveria servir para traçar
política pública englobando o SUS
e a rede privada.
No PI, homem aguarda a
chance de fazer tomografia
No Brasil, a expansão desses
equipamentos e a ampliação do acesso
se tornam mais importantes quando são levados
em conta a tendência de envelhecimento da
população. Segundo o IBGE, os idosos
(pessoas com mais de 60 anos) somavam, em 2009,
23,5 milhões de pessoas, mais que o dobro
do registrado em 1991. A expectativa de vida no
país também tem crescido: saltou de
62,52 anos em 1980 para 73,76 anos em 2010. Professor
da FGV e especialista em população
e políticas públicas, Kaizô
Beltrão lembra que as Nações
Unidas já fizeram uma campanha sobre a importância
de adicionar qualidade de vida aos anos de vida:
— Não adianta só
viver mais. As pessoas querem viver sem doenças,
e isso tem a ver com prevenção. Sabemos
que de 30 a 34 anos, a chance de ter câncer
é de 0,1%. Com 70 anos ou mais, essa chance
cresce 30 vezes. Homens de 30 a 34 anos têm
2,3 chances de ter reumatismo e artrite. Com 70
ou mais, essa possibilidade é 10 vezes maior.
Aos 59 anos, o auxiliar de serviços
gerais, Luiz Gonzaga dos Santos Barros sabe bem
como é difícil ter acesso a um aparelho
de tomografia computadorizada. Morador de Teresina,
ele foi encaminhado, por conta de dores no corpo,
há um mês para o setor de radiologia
de um hospital da rede pública especializado
em câncer:
— Estou nervoso, e minha
família também. O médico não
disse o que tenho. Falta menos de um mês para
minha consulta e ainda não sei se vou conseguir
ter o exame para mostrar ao médico. Sinto
muitas dores, mas a tomografia ainda nem foi marcada.
Secretário de Saúde
do Piauí, Mirócles Veras reconhece
que há carência de equipamentos de
tomografia computadorizada no estado e diz que buscará
parceria com o governo federal para comprar novos
aparelhos.
Radiologista há 29 anos,
o médico Eduardo Villas Boas atua na rede
pública do Rio e reconhece que não
adianta apenas expandir o acesso aos aparelhos de
imagem sem se preocupar com que vai operá-los
e se os médicos terão capacidade para
dar os laudos:
— É necessário
comprar tomógrafos, a neurologia não
vive sem, e também máquinas de ressonância,
mamógrafos e ultrassom. Mas, se não
tem quem possa dar o laudo, eles ficam ociosos.
Na rede pública, acontece o seguinte: os
médicos estão envelhecendo e os jovens
não se interessam em fazer carreira por conta
dos baixos salários. Então, já
há problemas. Nas clínicas particulares,
a oferta tem acabado com a utilização
do raio X. Mas um raio X bem analisado pode resolver
muita coisa. É preciso levar em conta essas
questões.
Ministério reconhece
“disparidade na oferta”
Em nota, o Ministério da
Saúde diz que “atualmente, o número
de equipamentos atende aos parâmetros nacionais
da rede pública”, mas reconhece que
“ainda há disparidades na oferta de
equipamentos, sobretudo em municípios do
interior”. Segundo o ministério, “a
rede pública dispõe de 4.849 mamógrafos;
1.633 aparelhos de ressonância magnética;
3.463 tomógrafos e 30.112 aparelhos de ultrassom”.
Diz ainda que a pasta “ampliou em R$ 9 bilhões,
nos últimos quatro anos (2010 a 2013), os
recursos destinados a estados e municípios
para custear ações de maior complexidade
como exames, cirurgias e aquisição
de equipamentos, inclusive os de imagem. Esse aumento
ocorreu em todos os estados. As regiões Norte
e Nordeste tiveram crescimento de 39% e 33% respectivamente,
superando a média nacional”.
O Ministério informa ainda
que a oferta de mamografia foi ampliada entre 2010
e 2012, “passando de 3,4 milhões para
4,2 milhões de procedimentos realizados no
SUS. O número de mamografias realizadas nas
regiões Norte e Nordeste cresceram 46% e
37% respectivamente, no mesmo período”.