La
Taille chama a atenção para o número
crescente de regras que recai sobre as instituições
sociais, inclusive o espaço acadêmico.
Para ele, o efeito pode ser o oposto
do previsto - ao invés de prevenir a transgressão,
cria incentivos a ela por barrar o desenvolvimento
da autonomia nos indivíduos.
"O resultado é a infantilização
moral. O estágio em que precisamos do outro
para legitimar as regras corresponde àquele
entre os cinco e dez anos de idade", diz o professor.
La Taille ganhou destaque fora da universidade com
obras que tratam da psicologia moral, seu campo de
estudo. Entre elas, a vencedora do Prêmio Jabuti
2007, Moral e Ética - Dimensões Intelectuais
e Afetivas (Ed. Artmed, 2006).
Um dos pontos que defende é que a sociedade
deve incentivar a formação de princípios
nas pessoas, em vez de simplesmente puni-las pelo
que fizeram de errado.
Por exemplo, levar motoristas a entenderem porque
não devem correr em alta velocidade, e não
obrigá-los a mudar a atitude por medo de uma
multa ou instalar radares de trânsito que gerem
o estímulo pela sanção direta.
O mesmo vale para a escola, abordada pelo autor em
seus trabalhos.
Para a universidade, La Taille defende maior autonomia
para professores, alunos e funcionários, com
ênfase na cooperação entre eles,
em lugar da coerção.
Em outras palavras, a confiança mútua
nos princípios éticos do outro.
É o caso de um pai participar da banca de avaliação
de concurso para seu próprio filho. "Isso
em si não significa falta de ética.
O problema é se houver favorecimento ou desfavorecimento
em função da relação familiar",
diz. Nesse caso, caberia ao pai julgar se é
capaz de avaliar o filho sem comprometimento.
Com menos normas, o sistema não entraria em
colapso?
"Mais regras não significa menos transgressões",
aponta o professor. Países como a China, que
se apoiam na heteronomia - quando o modo de agir precisa
ser apontado pelo outro -, precisam de um sistema
repressor mais presente que aqueles inclinados à
autonomia dos indivíduos, como a Suécia.
La Taille rebate o argumento de que o Brasil é
terreno infértil para aumentar a delegação
da responsabilidade dos atos às pessoas. "No
caso do mundo acadêmico, a maior parte das regras
é importada de outros países. Isso significa
que alguém lá precisou cometer uma transgressão
antes. Ou seja, não somos só nós
que fazemos coisas assim", diz.
A crise na ética é mundial, ressalta
ele. A lógica da sociedade capitalista incentiva
a competitividade e a produtividade, que são
as bases do sucesso profissional. Esses princípios
são usados frequentemente como justificativa
para quebrar a ética.
Pense, por exemplo, em um funcionário que espalha
boatos negativos sobre o colega para subir na carreira.
Facilmente a lógica maquiavélica - os
fins justificam os meios - prevalece.
La Taille deixa claro que não é contra
as regras. "Pelo contrário, elas têm
boas intenções. Como a que proíbe
o cigarro em locais fechados para não prejudicar
os não-fumantes", explica.
O problema é o que o professor descreve como
um paradoxo: a regra pressupõe o que ela nega
e é, pela sua mera existência, um modo
de desconfiança.
Seguindo no mesmo exemplo, a proibição
contra o fumo só existe porque muitos fumantes
não se importavam em incomodar os outros com
a fumaça de seus cigarros.
Para o pesquisador, no entanto, a solução
encontrada pode ser contraproducente: requer fiscalização,
novos dispositivos para os fumantes e cobrança
de multas. "Além disso, para Freud, se
há proibição, há desejo",
aponta.
Mais eficiente, nesse caso, seria introjetar nas pessoas
a noção de que fumar em ambientes fechados
é inadequado.
"Depois de gerada uma regra, é preciso
fazer muitas outras mais para dar conta das exceções
e lacunas. É um caminho sem fim", diz.
E lista o exemplo do aborto, que é proibido
no Brasil, mas amplamente executado. "Isso ocorre
porque a ênfase é no produto, não
no processo", conclui.
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