Para
a presidente, que é especialista em Cirurgia
Plástica e membro titular da Academia de Medicina
do Rio de Janeiro, um dos principais problemas vividos,
hoje, na rede pública é a saída
dos antigos médicos concursados. “Há
uma política generalizada de não se
fazer concurso público, e isso está
levando os efetivos, que são pessoas mais velhas,
a se tornarem cada vez mais raros no setor público,
porque eles estão se aposentando. Com essas
aposentadorias, os governos estão optando em
contratar médicos temporários”,
explica.
Sobre a implantação
das Organizações Sociais (OSs), Márcia
Rosa é totalmente contrária. “Nós
entramos com uma ação, que foi ganha,
impedindo a abertura dos envelopes de licitação
para essas OSs entrarem nos hospitais do município
do Rio. As OSs são os staff, entregando para
mão de terceiros uma gestão que deve
ser sua.”
Segundo ela, o problema é
tamanho, que chega a ser difícil precisar qual
lugar ou carreira com maior déficit. “Isso
está acontecendo no Rio de Janeiro e em todo
o país. O governo está aplicando uma
lei de mercado para dentro da Saúde pública.
Essa lei de mercado está passando a ser a lei
da Saúde. Isso é extremamente prejudicial
para a população, porque a Saúde
é um bem permanente. O mesmo estão fazendo
com a Educação. O Brasil é o
quinto país do mundo onde mais se investe.
Nós estamos tendo uma enorme projeção,
mas não estamos criando a base para acompanhar
isso.”
Folha Dirigida - a senhora
poderia traçar um panorama de como está
a situação das redes municipal e estadual
de saúde?
Márcia Rosa de Araujo
- Acho que nós podemos considerar a rede federal
também. Há uma política generalizada
de não se fazer concurso público, e
isso está levando os efetivos, que são
pessoas mais velhas, a se tornarem cada vez mais raros
no setor público, porque eles estão
se aposentando. Com essas aposentadorias, os governos
estão optando em contratar médicos temporários,
com as mais diferentes formas de contrato.
Quando se faz concurso público,
a pessoa que entra passou por uma seleção
democrática e entrou por mérito, ao
contrário do que vem acontecendo, em que pessoas
podem ser indicadas e não sabemos qual o critério
usado nisso. É isso que nos preocupa.
Outra questão é que
a falta de concurso proporciona, também, que
o médico não se fixe na rede. Como ele
é temporário, ele pode ser dispensado
a qualquer momento ou, mesmo que ele fique até
o fim do contrato, ele vai sair de qualquer forma.
Dessa maneira, esse médico não vai ter
segurança nem vai querer investir na carreira,
porque ele não tem compromisso com aquele lugar.
Se, em algum momento, ele receber uma proposta melhor,
ele vai abandoná-lo. Além disso, não
vai haver aquela passagem de experiência de
um médico para outro.
A senhora falou da necessidade
de concurso. Onde há mais carência: na
rede municipal, estadual ou federal?
É difícil dizer onde
está pior, mas, das emergências, onde
está tendo mais necessidade é no estado.
Fora isso, todos os níveis de governo estão
tendo uma saída expressiva de médicos.
Isso está generalizado. Está acontecendo
no Rio de Janeiro e em todo o país. O governo
está aplicando uma lei de mercado para dentro
da Saúde pública. Essa lei de mercado
está passando a ser a lei da Saúde.
Isso é extremamente prejudicial para a população,
porque a Saúde é um bem permanente.
O mesmo estão fazendo com a Educação.
O Brasil é o quinto país do mundo onde
mais se investe. Nós estamos tendo uma enorme
projeção, mas não estamos criando
a base para acompanhar isso.
O maior déficit é
exatamente na carreira de médico?
O médico é a ponta
de uma cadeia. Ele é o coordenador da equipe
de Saúde. Eu tenho certeza que há outras
áreas também carentes de profissionais.
Quais as especialidades médicas
com maior carência?
Clínica médica, Pediatria,Reumatologia,Cardiologia,
Anatomopatologia, que são aqueles que fazem
as necropsias de quem morreu dentro dos hospitais.
Em relação
ao município, a prefeitura tenta implementar
as OSs para atuar nos hospitais de emergência,
o que já está sendo questionado na Justiça
pelos sindicatos dos enfermeiros e dos médicos,
e pelo vereador Paulo Pinheiro. Como a senhora avalia
essa proposta da prefeitura?
Todo mundo no Cremerj é contra.
A lei que foi aprovada na Câmara liberou as
OSs para as unidades novas, mas a prefeitura está
colocando o pessoal de OS nas emergências também.
Nós entramos com uma ação, que
foi ganha, impedindo a abertura dos envelopes de licitação
para essas OSs entrarem nos hospitais do município
do Rio. As OSs são os staff, entregando para
mão de terceiros uma gestão que deve
ser sua.
Quais hospitais têm
a maior carência de médicos?
Carência de médicos
todos têm. Ortopedista, clínicos, pediatras,
quase tudo. É um grande mosaico. Não
dá para eu dizer qual precisa mais, porque
é uma carência generalizada. Nós
estamos chegando em uma situação em
que se daqui a cinco anos se mantiver isso, vai haver
um colapso.
A qualidade do serviço que
vai ser apresentado será questionada. Nós
estamos correndo o risco de que em alguns anos algumas
residências médicas sejam fechadas, porque
não estão cumprindo mais o que a determina
a lei que as criou. Não tem staff suficiente
para o número de leitos existentes.
O atual governo do estado
fez uma série de concursos importantes, mas
nenhum para a área de saúde. Como avalia
essa postura?
Eu não sei se estão
ocorrendo concursos para várias áreas,
mas essa atitude da presidente Dilma Rousseff de suspender
os concursos, eu acho lamentável. O governo
federal está lançando vários
programas de detecção do câncer
de mama, por exemplo, e quantos mastologistas têm?
Para onde a pessoa vai se dirigir para saber se tem
a doença ou não? Não é
para o Instituto Nacional de Câncer (Inca),porque
ele não dá vazão para tudo isso
e só trata alguns tipos da doença. Além
disso, a pessoa tem que ir referenciada. Quer dizer,
ela tem que ter passado por outra unidade para ter
a referência para o Inca. Ele não é
um hospital de portas abertas. Hoje, no setor privado,
as pessoas têm acesso para detectar nódulos
que são curáveis. São tão
pequenos, que basta retirar o nódulo e pronto,
não precisa fazer nem quimioterapia nem radioterapia.
Então, o que está acontecendo é
que o governo está condenando a população
a ter doenças que são incuráveis.
Eu acho que o concurso público, o fortalecimento
da carreira médica e da formação
e da residência são fundamentais para
daqui a cinco anos nós termos uma Saúde
pública de qualidade.
Na sua opinião, está
sendo priorizada a expansão das Unidades de
Pronto Atendimento (UPAs) em detrimento das unidades
hospitalares?
A UPA tem sua função.
Ela faz o atendimento pré-hospitalar. A pessoa
vai para lá quando está com uma dor
de cabeça, passando mal de algo que comeu,
que cortou o dedo etc. Vai para UPA numa urgência
para não lotar os hospitais de emergências,
que são onde chegam o baleado; o acidentado
de moto, que tem aumentado muito; o infartado; enfim,
coisas muito mais graves A UPA é o intermediário
para não aumentar as filas dos hospitais de
emergência.
Logo que assumiu o governo
do Rio de Janeiro, em 2007, o governador Sérgio
Cabral visitou hospitais e declarou à imprensa
que estava acontecendo um genocídio na rede
estadual de saúde. Alguma coisa foi feita efetivamente
nesse período para mudar essa situação?
Eu vejo mudança sim, por exemplo,
na estrutura dos hospitais. Muitos deles estão
com mobiliários novos, com Centros de Tratamento
Intensivo (CTI) instalados e neonatais. Está
havendo um grande investimento em infraestrutura,
mas não está acontecendo a regularização
dos recursos humanos. Temos algumas unidades com cinco
tipos de vínculos empregatícios temporários
diferentes.
Qual o principal problema
da saúde e como, possivelmente, solucioná-lo?
Quanto à solução,
é difícil porque eu não sou gestora,
mas acho que a solução é política.
Ou se investe na Saúde e na Educação,
ou nós vamos ter problemas no desenvolvimento
do país. Pessoas doentes não produzem,
assim como as pessoas que estão tendo a educação
prejudicada não vão servir para o futuro
do país.
Ao mesmo tempo em que convivemos
com o aumento da longevidade das pessoas, nós
também convivemos com doenças do século
passado: dengue, leptospirose, meningite, tuberculose.
Tem que haver um casamento Saúde-Educação.
Se não tiver as duas coisas assumidas pelo
Estado, não vamos ter um país com desenvolvimento
pleno.
A senhora acha que o estado
está largando de mão a saúde?
Não sei se é exatamente
largando de mão. Acho que está vigorando
ainda no nosso estado uma precarização
de necessidades básicas. Isso já aconteceu
nos Estados Unidos e percebeu-se que não era
esse o caminho. O Obama ganhou a eleição,
justamente, defendendo a melhoria da saúde
pública de lá. Os Estados Unidos e a
Turquia são os únicos países
que só têm saúde privada. Os nossos
governantes estão vendo o filme passar lá
fora e estão usando, aqui, os mesmos ingredientes,
tendo essa oportunidade de crescer e jogando fora,
cometendo os mesmos erros que vão, provavelmente,
nos levar à falência.
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