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24.04.2013

COMUNICADO PÚBLICO

Rio de Janeiro, 24 de abril de 2013

A CIPERJ (Associação de Cirurgia Pediátrica do Estado do Rio de Janeiro) vem a público, em nome de seus associados, discutir o que é, a nosso ver, um grave problema de saúde pública evoluindo neste momento: o desmonte das emergências públicas que dispõem de atendimento especializado em Cirurgia Pediátrica.

Além do problema das más condições de trabalho e salários inadequados, já nosso conhecido há muito tempo, e dos problemas atuais de ausência de renovação dos quadros de profissionais estatutários nas unidades públicas de saúde (estes vêm sendo substituídos progressivamente por pessoal sem vínculos contratuais permanentes ou simplesmente têm tido suas vagas extintas), existe um movimento dos gestores de unidades de saúde no sentido de diminuir drasticamente o efetivo de cirurgiões pediátricos que atuam em regime de plantão em unidades públicas. Tal atitude tem sido justificada por alguns com estatísticas que sugerem uma demanda pequena por atendimento cirúrgico especializado, em especial em horários noturnos.

A CIPERJ gostaria de apresentar alguns argumentos contrários a esta forma de pensar, para serem usados como esclarecimento à sociedade e como propostas de reflexão para os gestores, os colegas, em especial pediatras e outros especialistas em medicina da criança, e a sociedade civil em geral:

1. O trabalho do cirurgião pediátrico na emergência não se limita ao número de cirurgias efetivamente realizadas em centro cirúrgico. Uma grande parte dele se refere ao atendimento de crianças para pareceres, preparo de pacientes pediátricos para cirurgias emergenciais a serem realizadas posteriormente e à realização de procedimentos à beira do leito, que não têm sido computados nas análises estatísticas apresentadas. Desta forma, usando um exemplo de doença de alta incidência, serão examinadas muitas crianças para que se chegue ao diagnóstico de apendicite aguda em uma delas e um cirurgião plantonista dedicará parte do seu tempo a preparar eventuais crianças portadoras de uma apendicite para a execução posterior de uma cirurgia segura, depois da compensação de problemas que o paciente possa estar apresentando em decorrência de doenças anteriores ou da própria doença aguda. Da mesma forma, muitas vezes um cirurgião pediátrico é chamado para prover acessos venosos essenciais para pacientes em que se apresente uma dificuldade para tal, o que frequentemente é feito fora do centro cirúrgico. Através destes dois exemplos pode ser visto facilmente que o papel do cirurgião pediátrico na emergência não se limita, de forma alguma, a executar cirurgias sob anestesia geral.

2. O atendimento de crianças portadoras de doenças cirúrgicas ou sob suspeita de doenças cirúrgicas, embora possa ser feito satisfatoriamente de forma complementar por pediatras em conjunto com cirurgiões gerais de emergência, não terá provavelmente a mesma qualidade daquele provido por um especialista treinado exaustivamente para o trato com crianças e suas famílias e para considerar doenças e diagnósticos diferenciais específicos das várias faixas de idade. Trata-se de uma questão de qualidade de atendimento em saúde. E nós, da CIPERJ, achamos que toda criança merece a melhor qualidade possível ao ser atendida por um médico.

3. Embora grandes emergências, que precisem imperativamente serem tratadas específica e imediatamente por um especialista possam ser relativamente incomuns, quando estas situações acontecem elas são absolutamente críticas. Novamente, é uma questão de qualidade do atendimento em saúde.

4. Em medicina, estatísticas devem ser encaradas com muito cuidado. Uma morte em 1.000.000 de crianças é excessiva, se esta for evitável. Uma criança crítica que não é atendida é um valor absoluto, ainda que seja a única demanda em um prazo longo. É claro que compreendemos as necessidades de gestão, logística e adequação de recursos, e reconhecemos que o atendimento cirúrgico em pediatria pode ser focado em centros escolhidos. Mas solicitamos que o número de centros com os recursos adequados disponíveis sejam apresentados em número suficiente para atender às necessidades da população. Os principais municípios do Grande Rio (Rio de Janeiro, São Gonçalo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo e Niterói) têm em conjunto, segundo o censo do IBGE-2010 (www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?uf=rj), uma população até 14 anos de idade de aproximadamente 5,5 milhões de crianças. Se considerarmos apenas duas doenças cirúrgicas pediátricas comuns (apendicite aguda e invaginação intestinal), teremos uma incidência de 0,3% da população, o que implicaria em uma necessidade de avaliação e tratamento cirúrgico por cirurgião pediátrico de cerca de 16.500 casos/mês (46 casos/dia). É claro que esta estimativa de demanda é extremamente conservadora, porque não considera outras doenças, a necessidade de diagnóstico diferencial em casos de dor abdominal, avaliação de trauma e procedimentos cirúrgicos menores. Neste momento, o Grande Rio dispõe de atendimento cirúrgico pediátrico emergencial apenas em sete unidades públicas de saúde que dispõe de serviço de Pronto Socorro (Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, Hospital Estadual Alberto Torres, Hospital Municipal Souza Aguiar, Hospital Estadual Azevedo Lima, Hospital Estadual Albert Schweitzer, Hospital Estadual Getúlio Vargas e Hospital Estadual Rocha Faria), na grande maioria deles com vários dias de escala sem cobertura. Em verdade, a única unidade com efetivo completo é o Hospital Municipal Souza Aguiar. O Hospital Estadual Azevedo Lima conta com apenas um cirurgião em seus quadros e os hospitais estaduais adotaram recentemente a conduta de não prover cirurgiões plantonistas nos horários noturnos. Uma grande proporção destes profissionais é contratada através de cooperativas, sem estabilidade empregatícia, com direitos trabalhistas limitados e sem a perspectiva de carreira profissional progressiva nas instituições, com implicações evidentes. Acrescentamos a inexistência de plantonista de Cirurgia Pediátrica em três hospitais municipais Miguel Couto, Salgado Filho e Lourenço Jorge.

Estes argumentam bastam para demonstrar a precariedade que encontramos neste momento para o atendimento emergencial cirúrgico de crianças em nosso Estado. Nós, da CIPERJ, reputamos ser este um problema seríssimo, com implicações graves para a população, e solicitamos a reflexão da sociedade, dos gestores, dos colegas médicos, dos formadores de opinião e de nossos representantes nos três poderes, a fim de buscar soluções razoáveis para o problema, no menor prazo possível.

Diretoria da CIPERJ

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