Dos
600 brasileiros que embarcaram para o país
com o objetivo de cursar uma graduação,
desde 2007, segundo a Aliança Russa, responsável
pelo processo de seleção dos estudantes,
a maioria optou por medicina. Ainda, de acordo com
a agência autorizada pelo governo russo a fazer
o intercâmbio, nos últimos anos houve
um aumento da procura de 28% pelos cursos de ensino
superior. Apesar da crescente demanda, o número
de vagas não muda, gira em torno de 80 a 100
por ano.
Diego Goncalves Gonçalez,
de 28 anos, é de Mogi das Cruzes (SP) e chegou
em Moscou , na Rússia há 8 anos. Ele
já concluiu a graduação de seis
anos no Primeiro Instituto Estatal de Medicina de
Moscou Sechenova e há um ano foi convidado
pelo governo russo para permanecer no país
e fazer residência. Diego ganhou uma bolsa de
estudos por conta do bom desempenho na faculdade –
na Rússia, a residência é paga
– e optou por anestesiologia e reanimação.
Do grupo de 35 estudantes que chegou
na Rússia com Diego, só ele e mais três
concluíram a faculdade. O restante desistiu,
seja pela dificuldade de adaptação com
o clima ou com o idioma. “No inverno os termômetros
registram 30 graus negativos, no meu primeiro inverno,
em novembro de 2005, foi um dos mais rigorosos da
Rússia em 20 anos, com temperaturas de 43 graus
negativos."
O brasileiro também teve dificuldades
com o idioma e com o povo. "Passei por momentos
difíceis como agressão de skinheads,
e me livrei por pouco de um atentado terrorista no
metrô de Moscou próximo da onde eu vivo."
Porém, segundo o estudante,
também houve os momentos felizes. "Realizei
o sonho que eu tinha desde pequeno de ser médico.
Fui orador da minha turma, e na presença dos
meus familiares aqui em Moscou, para uma grande plateia
russa, falei um pouco do meu Brasil."
Na Rússia, Diego também
pode dar continuidade à natação,
que praticava há 15 anos no Brasil, participou
de competições e chegou a trabalhar
como técnico.
Diego optou por estudar na Rússia
porque não conseguiu vaga nas universidades
públicas de São Paulo e não tinha
condições financeiras de pagar por um
curso de medicina no Brasil. "Foi uma grande
e revolucionária escolha ter vindo estudar
em Moscou, com a descrença de muitos, e apoio
de poucos. Diferente de hoje, quando cheguei em 2005
praticante não havia estudantes brasileiros
aqui."
Uma vez por ano, ele volta ao Brasil
para visitar a família. Em julho de 2014, termina
a residência e retorna em definitivo para iniciar
o processo de revalidação do diploma
e trabalhar no Brasil.
'Vi a Rússia como
oportunidade'
Lucirio Gonçalves de Morais,
de 25 anos, é de São Paulo, e estuda
medicina na Rússia há 7 anos. O jovem
diz que sempre teve o sonho de estudar em outro o
país e viu a Rússia como oportunidade.
No início, sofreu um pouco com as diferenças.
"O clima e o idioma foram as
principais dificuldades e depois os costumes e a diversidade
de cultura por conviver com pessoas de diferentes
países. O grande desafio foi ficar longe da
minha família, porém eles sempre me
apoiaram", afirma.
Lucirio diz que na universidade fez
amigos no mundo todo e é vizinho de moradores
de vários países como Uzbequistão,
Cazaquistão, Malásia e Índia.
"Acabamos convivendo juntos, criei fortes amizades
e hoje somos como uma família. A Rússia
é um país de fortes raízes culturais
e históricas, é comum hoje em dia as
pessoas contarem histórias de suas famílias,
o quanto sofreram na guerra e como era suas vidas
na antiga União Soviética."
A música clássica também
o ajudou no processo de adaptação. "Comecei
a participar de orquestras, tocar em teatros e aprender
técnicas que me aperfeiçoaram, e me
ajudaram a se relacionar mais com os russos."
Embarque recente
Enquanto Diego e Lucirio estão
prestes a concluir sua temporada na Rússia,
tem brasileiro no caminho inverso. Marcelo Seiler
Pinheiro Goyos, de 24 anos, deixou a casa da família
em São Paulo há uma semana, para estudar
na Universidade de Kursk, na Rússia nos próximos
seis anos.
Marcelo cursou quatro anos de medicina
em uma universidade particular de São Paulo,
mas queria ter a experiência de estudar fora
do Brasil. Trancou a faculdade no ano passado e agora
parte para recomeçar o curso do zero. "Eu
até conseguiria aproveitar o currículo,
mas há muitos termos médicos que crescem
a cada ano. Eu poderia ter dificuldade mais para frente
do curso por conta dos termos."
Entre julho e setembro, o brasileiro
vai fazer um curso preparatório de inglês
e russo. Em setembro, inicia as aulas na universidade.
Marcelo nunca foi para a Europa, mas acha que não
terá dificuldade de adaptação.
"Eu já moro sozinho,
isso não me preocupa. Vou chegar no verão,
vou conseguir pegar a mudança para o inverno
aos poucos, comprar as roupas certas. Com a comida,
não haverá problemas também,
me adapto fácil." A maior saudade será
da irmã de 2 anos.
"Foi uma decisão muito
difícil, mas agora estou animado. Me dediquei
a esse projeto. Meu pai e meus tios são médicos
e medicina é minha paixão", diz
o brasileiro que já planeja fazer a residência
fora do Brasil também. Se for em cirurgia plástica
será na França, se for em cirurgia vascular,
na Alemanha.
Exame de validação
reprova 92%
Os Estados Unidos , país preferido
dos brasileiros para estudos no exterior, não
oferecem medicina como faculdade, somente em nível
de pós-graduação. Bolívia,
Cuba, Espanha e Argentina são outros países
buscados por brasileiros que querem se tornar médicos,
segundo dados do Inep, órgão do Ministério
da Educação , que aplica o Revalida,
prova obrigatória para validar no Brasil o
diploma de medicina emitido no exterior.
Esta validação pode
ser um empecilho para os brasileiros que optam por
estudar medicina fora do Brasil, mas querem atuar
em seu país de origem. Para conseguir a permissão,
os formados precisam fazer o exame aplicado pelo Inep,
cujo índice de reprovação beira
a casa dos 92%. Em 2011, dos 393 inscritos, só
31 foram aprovados. No ano passado, 42 de um universo
de 560, passaram.
Se por um lado, o Revalida pode ser
um problema, por outro, fazer medicina na Rússia,
por exemplo, tem vantagens como uma seleção
muito menos rigorosa do que a brasileira e um custo
bem menor, se comparado ao de uma universidade particular.
Por semestre, segundo Carolina Perecini, diretora
da Aliança Russa, o aluno gasta, em média,
com o curso de medicina russo, R$ 5.500, com as despesas
de mensalidade, moradia e plano de saúde. O
valor chega a ser o equivalente ao de um mês
no Brasil.
A seleção, menos rigorosa,
funciona assim: a Aliança Russa faz uma primeira
triagem por meio de uma entrevista com o candidato
e seus pais para avaliar as condições
emocionais. "Falamos da realidade que ele vai
encontrar lá, pois tem de sair daqui pronto
para morar fora, se virar sozinho. Além do
mais, o curso é bem puxado. Tem aula teórica,
prova oral, trabalhos e todas as aulas perdidas têm
de ser repostas", afirma Carolina. Segundo ela,
cerca de 40% dos candidatos são eliminados
nesta primeira etapa.
Se aprovado na entrevista, o estudante
deixa o Brasil com a vaga garantida na Rússia,
mas para ocupá-la de fato precisa ser aprovado
em provas de química, física e biologia.
As aulas são em inglês e quem não
tem fluência no idioma pode fazer um curso preparatório
de três, seis ou nove meses, antes de iniciar
as aulas na universidade.
Quem se forma na Rússia recebe
o diploma europeu, por conta do Tratado de Bolonha,
e o custo é bem menor do que em universidades
da Inglaterra ou França, segundo a diretora
da Aliança Russa. Por causa do tratado, vários
países da comunidade europeia têm carga
horária e o currículo padronizados no
ensino superior.
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