“O
desconhecimento dos custos é de um amadorismo
básico: não dá para gerenciar
uma padaria sem saber quanto custa o seu pão.”
Essa é uma das reflexões de Carlos Eduardo
Figueiredo, responsável dentro da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por liderar
a implantação dos novos modelos de remuneração
no setor. O movimento, que está a todo vapor
com a recente definição sobre o projeto
piloto, pretende melhorar a relação
entre hospitais e operadoras a fim de reduzir custos
administrativos e, por consequência, melhorar
a gestão e a qualidade dos serviços
prestados no atendimento à população.
Dentro do cronograma já descrito
pela agência, é hora de hospitais e operadoras
iniciarem os testes, Hospital Albert Einstein com
SulAmérica, Hospital Sírio-Libanês
com Bradesco, entre outros. Com as datas definidas
e um número crescente de companhias que vão
aderindo ao projeto piloto – que tem duração
prevista até o final de 2014, a expectativa
agora é de que o setor possa quebrar alguns
paradigmas para alavancar um novo momento no que diz
respeito à gestão da informação
que consta nesses processos.
“Temos de aprimorar nosso serviço
de informação. É a hora de nós
entendermos todo esse processo. Eu fico aflito, às
vezes me impressiona a velocidade que outros lugares
conseguem implementar coisas deste tipo, mas não
dá para a gente virar a chave de uma hora para
outra. Temos de ter a consciência de criar um
ambiente para isso, com uma base técnica forte”,
analisa.
O executivo afirmou ainda que, após
o projeto piloto, a proposta da agência reguladora
é que a adesão seja voluntária.
Mas que as partes precisam se mobilizar para acelerar
o processo e trocar experiências. “Eu
digo com tranquilidade: não esperem o piloto.
Levem essa discussão para a instituição
de vocês e comecem a estudar, a olhar o cenário
atual. Se a gente não se mexer, o cenário
é pessimista. Se não mudarmos agora,
pode morrer todo mundo abraçado, já
que estamos num sistema muito caro sem trazer qualidade
efetiva. Isso demanda relacionamento, demanda tempo,
então comecem a avançar. É questão
de sobrevivência”.
A mudança fará com
que a remuneração dos hospitais deixe
de utilizar o formato de conta aberta por serviço,
o conhecido fee-for-service -, que detalha cada item
utilizado na internação do paciente.
Ela também faz com que ambas as partes dediquem
equipes para discutir e rever contas e patamares cobrados.
A intenção da nova
forma de negociação é unir, portanto,
tudo que é comum e frequente aos atendimentos
para que sejam cobrados de forma agrupada (serviços
de enfermagem, administrativos e recursos físicos,
de uma seringa a um quarto com suíte, por exemplo,
colocados de forma conjunta). Dentro do grupo de trabalho
montado pela ANS, a fase experimental é dividida
em duas etapas: primeiro, a implementação
do modelo de conta aberta aprimorada; depois, o teste
do modelo de procedimentos gerenciados cirúrgicos.
“Como se faz um pacote hoje?
Pega a média dos preços de internação
num procedimento, faz um ajuste, negocia um valor
e fecha com a operadora. Agora, no procedimento gerenciado,
é diferente: temos de partir primeiro dos critérios
de elegibilidade do hospital, do corpo clínico.
Todo esse novo modelo pretende remunerar por desempenho,
por padronização, por ajuste de risco,
por livre concorrência”, completou o representante
da ANS.
Exemplo português
Quando o assunto é modelo
de remuneração, é difícil
apontar um caminho que possa ser qualificado como
ideal. Mas o conhecimento de algumas iniciativas pode
ajudar na reflexão sobre o assunto. Em Portugal,
por exemplo, há o Diagnosis Related Groups
(Grupos de Diagnósticos Homogêneos),
modelo conhecido mundialmente como DRG, que também
pode ser chamado de GDH, na sigla em português.
O DRG foi um modelo desenvolvido
por Robert Fetter na Universidade de Yale, nos Estados
Unidos, quando o engenheiro industrial se preocupou
com a eficiência do setor da saúde. Quem
conta é o ex-secretário de saúde
do Ministério de Saúde de Portugal Óscar
Gaspar. Segundo ele, Fetter ainda se atentou em criar
um mecanismo que fosse funcional para todos os braços
da estrutura de gestão: médicos, administradores
e economistas.
“Os DRGs são uma forma
de classificar os doentes internados em grupos clinicamente
coerentes e similares do ponto de vista do consumo
de recursos. Cada grupo tem um peso relativo, um coeficiente
que reflete no custo esperado deste doente típico
deste DRG. E então o índice de case
mix (ICM) de um hospital resulta de uma relação
entre doentes equivalentes ponderados pelo peso relativo
dos DRGs e o número total de doentes”,
explica Gaspar.
“A soma das altas ponderadas
dividida pelo número total de altas chega ao
índice case mix de cada hospital”, completa
o ex-secretário de saúde de Portugal.
Até 1980, o país financiava
os hospitais por custo real, “o que era uma
desgraça, porque todo ano subia”, comenta
Gaspar. Entre 1981 e 1984, a gestão começou
a ser feita no modelo americano com preços
por especialidades e por atos clínicos, “mas
não sabíamos o que pagávamos,
não sabíamos que duas coisas em hospitais
diferentes eram a mesma coisa”, diz. Foi então
que os especialistas de Yale apresentaram uma proposta
de apoio técnico, e entre 1987 e 1990 foi feito
um plano para reformular o financiamento dos cuidados
de saúde em Portugal, com grande investimento
do Estado. A partir de 1990, há 23 anos, portanto,
o país se utiliza dos DRGs.
“Isso providenciou uma metodologia
mais racional, aumentou a equidade da distribuição,
passou a premiar quem faz mais e, em casos mais complexos,
a estimular quem fazia menos, conseguiu controlar
os custos sem prejuízo na qualidade do serviço
– tinha gente que fazia treinamentos acima do
necessário, por exemplo – e nos ajudou
a criar uma auditoria nacional para analisar os procedimentos”,
acrescentou o português.
Momento brasileiro
Figueiredo, da ANS, explicou porque
o Brasil não se arrisca no modelo dos DRGs,
mas deixa aberta a possibilidade para um momento posterior
à atual mudança de remuneração
em andamento.
“Vimos que pela característica
do nosso país era melhor criar um modelo brasileiro.
Seria muito difícil no sistema de saúde
suplementar definir um modelo único que fosse
alcançar todo esse grupo. Decidimos então
aprimorar a informatização e desenvolver
padrões para que em um futuro breve possamos
evoluir pra grupos de diagnósticos homogêneos
também”, disse.
E enquanto o país vai se adequando
a uma forma mais moderna de gestão, o diretor-presidente
da Planisa, Afonso José de Matos, faz um alerta.
“No nível de gestão tivemos progressos,
mas na relação dos hospitais com a saúde
suplementar tudo que fizemos foi piorar. As condições
da relação há dez anos eram melhores
que há cinco anos, que eram melhor que hoje.
E, se não arrancarmos logo com algum sinal
de conquista, vai ser ainda pior daqui outros cinco”.
A consultoria é uma das especialistas
neste setor de gestão dos custos na área
de saúde. E Matos, há 16 anos organizando
o congresso realizado em São Paulo, complementou:
“desde então é a mesma batalha,
mas acho que agora, finalmente, se sinaliza uma luz”.
O colega de Planisa, Sérgio
Lopez Bento, que participou ativamente do grupo de
trabalho que definiu o formato da nova remuneração,
destacou ainda as duas vertentes a serem seguidas
pelos agentes no país. “Temos de melhorar
nosso sistema de informações e alinhar
todo o corpo clínico nesta missão, o
que é um grande desafio na gestão”.
Por fim, questionado sobre cenário
brasileiro, Gaspar deixou uma última mensagem.
“O Brasil está em evolução
e o que me parece é que o País tem consciência
sobre os erros que não pode cometer e os riscos
de uma suposta aceleração. Tem de haver
paciência e, acima de tudo, motivação”,
finalizou, admitindo o otimismo.
Brasil a fora
No caso da Unimed em São Paulo,
por exemplo, foram criadas ações educacionais
para que a gestão se atente aos detalhamentos
dos custos. Foi feita também a migração
das margens de insumo para diárias e taxas
e o início da implantação da
ideia de procedimentos cirúrgicos gerenciados.
“O projeto da Fesp (Federação
das Unimeds do Estado de São Paulo) é
de implementar nos nossos hospitais próprios
as diretrizes da nova sistemática de remuneração”,
completou a supervisora Rita Kaluf.
A companhia teve um projeto aprovado
em maio do ano passado, e lançou o piloto em
julho. Na sequência, contratou a consultoria
da Planisa para um auxílio nas adequações
à nova remuneração, iniciando
a primeira etapa, a da implementação
da tabela compacta em 12 hospitais, em setembro de
2012. A fase seguinte, da migração de
margens de insumos, se deu em outubro, com a capacitação
de profissionais começando em março
deste ano e ainda em andamento – deve durar
seis meses. A última parte do projeto é
a implantação dos procedimentos gerenciados
cirúrgicos, prevista para começar neste
mês de junho.
“É um projeto muito
grande e desafiador. Eu comentava no início
que minha impressão era estar entrando numa
caverna escura, mas hoje eu já consigo ver
luz”, disse Rita.
Outro exemplo é o catarinense.
O gerente de atenção à saúde
da Federação das Unimeds de Santa Catarina,
John Decker, explicou que hoje a rede local da operadora
já atua com diária compactada (algo
próximo da conta aberta aprimorada) com cerca
de 50 códigos para diárias, taxas de
serviço e uso de equipamentos. E também
está sendo feito com os sete hospitais próprios
no Estado um estudo de impacto dos insumos sobre a
conta hospitalar.
“O trabalho foi iniciado no
meio do ano passado e é bastante pesado na
coleta de dados. É uma dificuldade enorme,
é até vergonhoso, mas infelizmente não
temos as informações do jeito que gostaríamos
de ter”, analisou.
Ele disse ainda que a Unimed em Santa
Catarina está desde janeiro com a migração
de margem concretizada: “foi feita uma análise
nos quatro primeiros meses do ano e o que vimos é
que a variabilidade do custo total foi muito pequena.
Então a migração do material
para diárias e taxas foi muito bem feita, bem
calculada, a ponto de não trazer impacto para
quem financia nem para o hospital. Claro que são
meses atípicos para procedimentos deste tipo
(os do começo do ano), mas o estudo continua
e o próximo passo é a transferência
de medicamentos, este um pouco mais difícil”,
completou.
Cronograma do projeto piloto
Cada uma das aplicações
passa pelas fases de: preparação de
hospitais e operadoras; negociação dos
valores entre as partes; capacitação
das equipes; implantação do modelo em
formato virtual; e monitoramento da ANS após
a implantação.
Etapa 1 – Modelo de conta aberta
aprimorada – conjunto de diárias e taxas
pré-definidas que são negociadas por
um preço único que já considera
todos os itens incluídos no procedimento –
de maio de 2013 a agosto de 2014
Etapa 2 – Modelo de procedimentos
gerenciados cirúrgicos – elenco de procedimentos
que serão cobrados de forma integral, considerando
os insumos e recursos necessários para tal
execução – de agosto de 2013 a
dezembro de 2014
Sistema de saúde português
O sistema português é
uma rede nacional de saúde universal, gratuita,
e que oferece cobertura à população
portuguesa em praticamente todas as patologias. Gaspar
destaca que 85% dos leitos em Portugal pertencem ao
Estado; que há dez anos o país começou
a colocar em prática as parcerias público-privadas,
com hospitais estatais feitos com investimento e gerenciamento
privados em contratos de até 30 anos; e que
os índices de satisfação da população
são bastante relevantes, variando de um mínimo
de 70% de aprovação no caso de urgências
até 84% para cirurgias.
De acordo com ele, a despesa pública
com saúde no país está abaixo
da média da Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) e também é menor na relação
com o total de gastos do Estado. “Ou seja, Portugal
não põe dinheiro demais na saúde”,
pontuou. E acrescentou que o País destina 4,
9% de seu PIB para o setor de saúde.
DRGs em Portugal
Problemas – Nem sempre o doente
leva o cartão do SNS (Sistema Nacional de Saúde),
o que dificulta a codificação; a heterogeneidade
dos sistemas de informação das instituições
de saúde; a dificuldade dos hospitais em reportar
as informações; não adequação
de alguns ponderadores; uso da codificação
como fonte de receita (podem dizer que o financiamento
se dá por um bom codificador, um médico
que faça isso bem feito consegue muitos recursos
com atos clínicos, o que demanda uma boa auditoria);
subfinanciamento dos hospitais (a base de recursos
para a saúde em Portugal é baixa para
ser distribuída).
Virtudes – revolução no tratamento
da informação em saúde; aumento
dos cuidados (mostrar para os hospitais que não
era preciso tanto internamento); redução
de tempo de demora, camas de agudos e desperdícios;
possibilidade de comparar instituições
(como uma gasta mais se tem o mesmo grau de avaliação
da equivalente?); pagamento mais explícito
e transparente.
Potenciais – maior ligação
entre os cuidados a serem tomados; possibilidade de
se classificar os gestores de saúde |