—
Precisamos dar uma resposta forte ao governo. O sentimento
do médico é de que o governo procura
confronto — disse o dirigente.
Para Ferreira, o programa precariza
o trabalho do médico brasileiro e explora a
mão de obra do profissional. O dirigente comparou
as medidas à exploração de trabalho
escravo.
— Lamentamos profundamente
a contratação do médico de forma
precarizada como foi anunciada. O que o governo deveria
fazer era realizar concursos e pagar decentemente
o profissional, e não oferecer uma bolsa de
R$ 10 mil, o que desrespeita a legislação
trabalhista. Causa revolta — disse Ferreira.
Na carta, assinada pela Associação
Médica Brasileira (AMB), Associação
Nacional De Médicos Residentes (ANMR), Conselho
Federal De Medicina (CFM) e Federação
Nacional Dos Médicos (FNM), as entidades reconhecem
que o governo precisa melhorar o acesso à saúde,
mas avaliam que as medidas anunciadas mostram “incompreensão
das autoridades à expectativa real da população”,
e não “medidas paliativas, inócuas
ou de resultado duvidoso”. Elas avaliam como
“irresponsáveis” a vinda de médicos
estrangeiros sem aprovação no Revalida
e a abertura de mais vagas em escolas médicas
“sem qualidade”.
Além da importação de médicos,
o plano anunciado em Brasília prevê que
curso de medicina terá mais 2 anos, com serviço
obrigatório no Sistema Único de Saúde.
O estudante receberá bolsa pelos serviços
e a medida deve valer em 2015. As entidades da área
de saúde questionaram o aumento em dois anos
do tempo de formação dos médicos,
o que eles chamam de “manobra que favorece a
exploração de mão de obra”.
Fereira também criticou também
a contratação de médicos estrangeiros
sem necessidade do Revalida, o exame de reconhecimento
do diploma.
— O Revalida é o atestado
desse médico. Sem ele não teremos a
menor condição de saber se o profissional
tem uma formação adequada. O pior de
tudo é que o governo quer trazer sem o Revalida
e fixá-lo num lugar de onde ele não
poderá sair. Isso é trabalho escravo.
Vamos denunciar na OIT (Organização
Internacional do Trabalho).
Ferreira criticou também a
ampliação de seis para oito anos o curso
de Medicina, com a exigências que nesses dois
últimos anos o profissional se dedique ao SUS.
— Essa é outra exploração
grosseria do trabalho médico. Não sei
quem foi o cérebro que pensou nisso. É
indecente. O médico não completa o curso
em seis anos. Ele faz mais três ou cinco de
especialização para poder entrar no
mercado. Ou seja, vai pular de 11 para 13 anos de
formação. É um contrassenso —
disse.
Para presidente da SBMFC, é questionável
medida do governo
O presidente da Sociedade Brasileira
de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC),
Nulvio Lermen Junior, disse nesta segunda-feira que
é duvidosa a medida do governo de obrigar recém-formados
em Medicina a trabalhar no Sistema Único de
Saúde (SUS) por dois anos para obter diploma.
Para ele, o SUS precisa de profissionais já
qualificados. A SBMFC representa os médicos
que prestam serviços de Atenção
Primária em Saúde, como o Programa de
Saúde da Família (PSF).
Nulvio Lermen Junior reconhece a
necessidade de prover médicos em algumas regiões
brasileiras, como o Norte e o Nordeste. Segundo Lermen,
que também é coordenador da residência
em Medicina de Família e Comunidade do município
do Rio de Janeiro, o problema que causa a carência
de médicos nas periferias das grandes cidades
e no interior do país é multifatorial.
— O governo tem que melhorar
a infraestrutura, criar um plano de carreira adequado,
oferecer condições de vida apropriadas
para os profissionais e para a família e, claro,
com salário condizente, que não precisa
ser muito diferente das outras regiões. Não
adianta atender a só um desses itens. Do contrário,
a pessoa pode até ir se aventurar, mas acabar
logo desistindo. Não há alguém
que aguente viver por muito tempo sem esses fatores
envolvidos — declarou Lermen.
A SBMFC não enxerga restrições
na contratação de médicos estrangeiros.
No entanto, o presidente da entidade defende a aplicação
de um exame de validação do profissional
estrangeiro para que este possa atuar no país,
de forma que garanta a saúde do paciente. Lermen
acredita que essa importação de médicos
pode ajudar a sanar o déficit existente nesses
locais, mas considera que muitos brasileiros poderiam
se interessar por essas vagas se o emprego apresentasse
melhores condições.
Segundo Nulvio Lermen Junior, profissionais
de organizações que realizam trabalhos
de cunho social em lugares tão longe, como
os Médicos Sem Fronteira, não seriam
suficientes para a demanda. Além disso, para
Lermen, é pessoal a explicação
sobre por que esses médicos escolhem se dedicar
a outros países para ações humanitárias
ao invés do Brasil.
— Eles se fixariam nesses lugares
sem problema algum, mas sabemos que são poucos
médicos que se propõem a trabalhar nessas
condições e são poucos os médicos
dispostos a sair para missões, que são
de curta duração. A proposta do governo
não é esta, mas sim de um ano, dois
anos ou mais. Ações como Médicos
Sem Fronteira não seriam a resposta para o
problema que o governo quer enfrentar — afirmou
Lermen.
Na cidade do Rio de Janeiro, Nulvio
Lermen Junior conta que o principal motivo que desestimula
a categoria é a violência. Ele relata
que médicos já não veem com tanto
receio a atuação em comunidades, desde
que estas estejam pacificadas. Lermen cita o Complexo
da Maré como um dos locais onde faltam profissionais.
Para o presidente do Conselho Regional
de Medicina de São Paulo (Cremesp), Renato
Azevedo Jr., o governo federal não pode obrigar
onde um estudante de Medicina deverá atuar.
Ele lembra que a Constituição garante
o direito do indivíduo escolher a sua profissão
e área de atuação. Na avaliação
dele, essa proposta deveria ser melhor discutida entre
o governo federal e entidades da categoria. Segundo
ele, a iniciativa nunca foi objeto de debate com entidades
médicas.
— A Constituição
Federal garante o direito de ir e vir. Não
se pode fazer uma coisa obrigatória. Com essas
propostas demagógicas, o país acaba
escamoteando o tema do subfinanciamento da saúde
pública. Nós exigimos que se trate realmente
da saúde como prioridade, não com retórica
pré-eleitoral — criticou.
|