Uma
das propostas que está sendo analisada pelos
Ministérios da Saúde e da Educação
é dispensar o candidato de fazer o exame, desde
que ele cumpra dois anos de trabalho no SUS. A ideia,
boa em princípio, é uma temeridade.
Com a declarada intenção de ajudar regiões
com poucos médicos, na prática ela acabaria
colocando profissionais sem treinamento adequado para
atender a população mais carente. As
entidades médicas encaram, com razão,
a possibilidade como uma ameaça à saúde
pública. "Isso é colocar o povo
em risco, deixá-lo sujeito à tragédia
do erro médico. Somos favoráveis ao
Revalida como é feito hoje", diz Florisval
Meinão, presidente da APM.
Antes do Revalida, as provas para
revalidação de diploma podiam ser realizadas
por qualquer universidade pública, o que causava
grandes problemas. Além do fato de algumas
faculdades ficarem anos sem fazer as provas, cada
instituição adotava critérios
diferentes, levando a exames com graus de dificuldade
díspares. Desde 2010, o governo unificou todo
o processo. Uma única prova é feita
anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep) e aplicada em 37 universidades
públicas.
PROVA
OBJETIVA DE 2011
GABARITO
PROVA
DISCURSIVA DE 2011
GABARITO
No ano passado, o resultado da prova
mostrou o quanto o Revalida é necessário:
dos 677 inscritos, só 65 foram aprovados. Os
outros 612 não apresentaram as condições
mínimas para exercer a medicina no Brasil.
Em 2010, o resultado foi ainda pior: dos 507 inscritos,
apenas dois passaram. "A prova é muito
básica. Ela cobra conhecimentos que todo médico
precisa ter se quiser atender a população,
como reconhecer uma pneumonia ou tratar uma diarreia",
diz Renato Azevedo Junior, presidente do Cremesp.
Segundo o médico, colocar um desses profissionais
reprovados para trabalhar no SUS não vai ajudar
a solucionar a crise da saúde pública
no Brasil, mas sim provocar mais problemas.
A gaúcha Aline Vidal de Almeida,
de 26 anos, se formou em medicina no Instituto Universitario
de Ciencias de la Salud Fundación Barceló,
na Argentina. Ela prestou o Revalida no ano passado,
mas não foi aprovada. Mesmo assim, diz que
a prova não foi difícil. "Ela não
era impossível como todo mundo fala. Mas eu
tive dificuldades nas partes referentes a epidemiologia
e saúde pública", afirma. Isso
se deve ao fato de que as doenças e os protocolos
médicos que mais estudou durante a faculdade
estavam voltados para a realidade argentina, e não
para a brasileira. "Lá as prioridades
são diferentes. É bom que exista essa
prova, para que nos atualizemos no que se exige no
Brasil."
Pressão política
— Grande parte dos inscritos no exame são
oriundos de faculdades da América Latina, para
onde vão em busca de cursos mais baratos ou
que dispensem o vestibular. Dos inscritos no ano passado,
304 se formaram na Bolívia, onde hoje se encontram
25.000 brasileiros em busca de um diploma de medicina,
segundo o Cremesp. O país é tão
procurado pelos estudantes brasileiros que inúmeros
sites na internet oferecem consultoria, em troca de
dinheiro, para matriculá-los em faculdades
como a Ucebol, em Santa Cruz de la Sierra, e a Upal,
em Cochabamba.
Na Bolívia, uma mensalidade
no curso de medicina pode custar entre 250 e 500 reais,
sem a necessidade de vestibular para ingressar. Já
no Brasil, o valor médio do mesmo curso é
4.000 por mês, e o estudante tem de passar por
uma prova, em que enfreta forte concorrência.
Esse preço tão baixo na Bolívia
influencia a qualidade do curso oferecido. "Muitas
das faculdades particulares do país são
caça-níqueis. Elas têm turmas
com mais de 500 alunos, algumas sequer têm um
hospital escola", diz Azevedo Junior. Outros
140 inscritos no Revalida estudaram em Cuba, país
onde a seleção de quem entra na universidade
não se dá por vestibular, mas por indicação
política. "Políticos brasileiros
de todos os partidos indicam alunos, na maioria militantes
partidários, para ir estudar lá",
afirma Azevedo Junior.
Concentração
— O principal argumento do governo para flexibilizar
o Revalida é a suposta falta de médicos
no Brasil, principalmente nos rincões do país.
No Senado, tramitam dois projetos de lei que discutem
mudanças na prova. Um deles, de autoria do
senador Roberto Requião (PMDB-PR), propõe
que algumas faculdades de indiscutível excelência
acadêmica tenham seus diplomas automaticamente
reconhecidos no Brasil, sem a necessidade de provas.
O projeto é destinado a todos os cursos, e
não é voltado exclusivamente à
medicina. Outro projeto, de autoria da senadora Vanessa
Grazziotin (PCdoB- AM), é dirigido somente
aos médicos formados no exterior. A senadora
propõe que a validação dos diplomas
estrangeiros seja facilitada, mediante o trabalho
desses profissionais em regiões carentes do
país. Seu principal argumento é a falta
de atendimento médico nas zonas mais isoladas
do Brasil.
Ideia semelhante já está
sendo posta em prática pelo governo de Pernambuco.
Como as universidades públicas não foram
proibidas de fazer suas próprias provas de
revalidação, a Universidade de Pernambuco
(UPE) decidiu não aderir ao exame nacional
e fazer seu próprio exame a partir deste ano,
o Provalida. "O candidato tem de assinar um termo
de compromisso dizendo que irá exercer a profissão
em um município com poucos médicos",
diz Rivaldo Mendes, vice-reitor da UPE. Embora Mendes
diga que a prova local não será mais
fácil que o Revalida, o sindicato dos médicos
do estado já se manifestou contra sua existência,
pois a encara como uma alternativa menos rigorosa
ao processo seletivo nacional.
Quanto ao argumento de que há
poucos médicos no país, as entidades
dizem que o que existe, na verdade, é a má
distribuição dos profissionais, que
se concentram nas regiões de maior renda. "Mais
importante do que o número de médicos,
é ter políticas públicas para
fixá-los nos locais mais necessitados",
diz Florisval Meinão. Uma pesquisa feita pelo
Cremesp em parceria com o Conselho Federal de Medicina
põe em relevo as facetas do problema. Para
cada mil usuários do sistema privado de saúde,
há 7,6 médicos, enquanto para cada mil
do sistema público há somente 1,95.
No Rio de Janeiro, existem 3,57 médicos para
cada mil habitantes. Já no Maranhão,
só existem 0,68. A Organização
Mundial da Saúde recomenda pelo menos um médico
para cada mil habitantes.
"Na cidade de São Paulo,
que tem 4,33 profissionais para cada mil habitantes,
nós encontramos dificuldades para levar médicos
à periferia, onde se ganha mal, não
há perspectiva de carreira, enfrenta-se violência
e falta estrutura para trabalhar", afirma o presidente
da AMP. Segundo as entidades, se o governo quiser
resolver os problemas, não basta colocar médicos
mal formados para tratar populações
pobres no interior do país. Ele deveria dar
início a uma política pública
para o médico, que leve em conta carreira,
salário, segurança e condições
de trabalho. "Assim o governo garantiria sua
presença nesses lugares. Fora isso, serão
medidas paliativas", diz Azevedo Junior.
Exame nacional —
O Revalida hoje constitui um bom filtro para evitar
que médicos despreparados vindos do exterior
exerçam a clínica no Brasil. Por isso
mesmo, deveria ser aplicado inclusive aos futuros
médicos formados em território nacional.
Existem dúvidas se os profissionais formados
aqui dentro seriam capazes de passar na prova. Dos
177 cursos de medicina avaliados no Enade em 2010,
27 apresentaram nota menor que dois. Para ser considerada
satisfatória, uma universidade precisa de uma
nota maior que três. Pelo menos 16 desses cursos
terão vagas cortadas pelo MEC.
Boa parte das entidades defende a
ideia de universalizar o Revalida, como uma espécie
de exame da OAB voltado aos médicos. "É
necessária uma prova de conhecimentos básicos,
porque a formação médica nacional
está muito ruim. Estão sendo abertas
faculdades de medicina sem condições
de ensinar, sem hospital-escola, sem garantia de residência",
diz Azevedo Junior.
O Cremesp realiza todos os anos uma
prova voluntária para avaliar os médicos.
Mesmo sendo um exame voluntário, cerca de 60%
dos alunos não obtêm aprovação.
"A realidade deve ser ainda pior, já que
os participantes da prova são aqueles que se
sentem mais preparados. Isso é uma tragédia",
diz o presidente da entidade.
Nos Estados Unidos (veja abaixo como
funciona o processo de revalidação do
diploma médico em outros países), qualquer
médico que pretenda clinicar no país
tem de passar por uma série de provas que testam
sua capacidade. Quem se formou fora do país
precisa cumprir as mesmas etapas. Se isso for repetido
no Brasil quem vai se beneficiar são os pacientes,
tanto dos grandes centros urbanos quanto das regiões
mais isoladas. Com a aprovação num exame
como o Revalida, a população terá
certeza que seus médicos, independente de onde
ele se formaram, têm capacidade de exercer a
profissão.
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