Por que a senhora critica a diretoria da ANS?
Porque há uma captura do órgão
regulador por quem é regulado, com a presença,
na diretoria, de executivos que vêm das empresas.
Não é de agora, mas neste governo
está muito intenso e com pessoas de currículos
medíocres. Desde que a ANS foi organizada
sempre foi um vigilante do mercado dentro da agência,
mas agora a relação está invertida:
tem mais gente do mercado, estão ocupando
muitos cargos.
Tem mais representantes das empresas?
A diretoria tem cinco pessoas, mas na prática
tem quatro porque o presidente acumula duas funções.
Então, neste momento, a diretoria da agênciaestá
com duas pessoas das empresas, uma da Amil e uma
da Hapvida. A Amil fez doações milionárias
para a campanha da presidente Dilma Rousseff edo
governador Sérgio Cabral, e o representante
da Hapvida foi indicado pela bancada do Nordeste.
O fato desses empresários entrarem na agência
tem repercussão prática e dramática.
Esta semana, por exemplo, foi anunciado um aumento
para os planos de saúde com um índice
de mais de 9%, acima da inflação,
acima dos aumentos salariais. Este é só
um dos problemas
Quais são os outros?
O que mais preocupa é a ANS ter autorizado
a venda de falso plano coletivo: o coletivo por
adesão. Neste, o valor do reajuste é
definido inteiramentepela empresa, e se uma das
pessoas do grupo fica doente, começa a dar
despesas, a empresa pode extinguir o contrato unilateralmente.
É um produto novo criado quando o presidente
da ANS era o proprietário da Qualicorp que,
não à toa, foi a empresa que mais
se destacou na venda deplanos por adesão.
Como escolher esses diretores, já que a
senhora diz que nem bom currículos eles têm?
O currículo dessas pessoas é péssimo,
é de uma mediocridade absurda. O que eles
entendem é de fazer negócios para
o mercado. O orçamento da ANS é público,
quem deve estar lá são funcionários
públicos, não necessariamente de carreira,
mas pessoas tarimbadas na administração
pública. Tem gente excelente para essas funções,
não precisa ser um burocrata medíocre
que vai destruir o mercado. O problema não
é ser ou não funcionário público,
o problema é a estatura que essas pessoas
têm, que é zero. Foi gente colocada
aí para facilitar mesmo, nem pegaram os melhores
quadros das empresas privadas. E quando saem da
agência, só precisam cumprir uma quarentena
de 90 dias, remunerada, e depois voltam para a empresa,
como se nada houvesse.
Como a senhora vê a questão do ressarcimento
ao SUS?
A agência não vai conseguir resolver
isso, com essa gente na diretoria. E isso é
fundamental, não só para as contas
do SUS, mas para melhorar a cobertura dos planos.
Pela lei, eles devem ter uma cobertura abrangente,
portanto o ressarcimento ao SUS deveria ser raro.
Se pagassem cada vez que o cliente fosse ao SUS
iriam evitar que isso acontecesse. A empresa não
pode vender um lugar na fila do SUS. O sistema privado
está cada vez mais igual ao SUS, e isso é
responsabilidade da agência. Tem plano de
saúde que só tem um hospital pequeno
e a ANS permite que continue a comercialização,
porque tem esses diretores lá para garantir
isso. Ficamos com um sistema público ruim
e um sistema privado ruim também. Nem tem
bem o sistema público e nem o privado, é
duplamente ruim. Não é possível
o plano marcar um exame para daqui a dois meses.
E a questão dos médicos?
É uma boa agenda porque pelo menos a Dilma
voltou a falar do SUS. Mas a proposta é muito
fraca, muito confusa, autoritária, midiática.
Acho que ter médico é melhor que não
ter, mas essa medida não vai conseguir fazer
isso. Não sou contra médicos estrangeiros,
mas se a gente trouxer médicos da Bolívia
e do Uruguai vai ser covardia com esses países,
que têm piores condições de
saúde do que o Brasil. É uma política
externa da pior qualidade. O problema de distribuição
é maior do que o número de médicos,
mas em todos os países levar médicos
para o interior passa pelas universidades públicas,
com campus avançado. Assim, você sempre
terá gente estudando e gente ensinando nesses
campi, de maneira revezada, com perspectiva decarreira,
com direito de volta. O Canadá tem um problema
imenso, tem que atender os esquimós, e faz
assim.