A peça, que aborda três pontos específicos
do anúncio do Governo, teve a aprovação
unanime dos presidentes e Conselhos Regionais, durante
reunião realizada na terça-feira (13),
em Brasília. Asentidades ressaltam que ações
não são contra a presença de
médicos estrangeiros em território
brasileiro, mas pelo cumprimento da exigência
legal de que demonstrem efetivamente sua capacidade
técnica para o exercício da profissão
médica, conforme previsão legal já
existente.
MP oportunista –No entendimento
dos Conselhos de Medicina, a Medida Provisória
não apresenta urgência e é oportunista
na "medida em que se aproveita do clamor público
oriundo das ruas para editar uma legislação
simplesmente populista". Na argumentação,
que reproduz trechos de sentença já
concedida anteriormente em favor do CFM e CRM do
Acre, o Conselho lembra que "os gestores públicos
têm utilizado em larga escala o argumento
de que não podem excluir os 'médicos'
estrangeiros sob pena de instaurar o caos na Saúde
Pública; que inexistem médicos dispostos
a trabalhar no interior ou em número suficiente.
E lançam a mídia e a opinião
pública contra quem quer que se insurja contra
os 'estrangeiros'. Trata-se de falácia, porque
suas premissas são falsas e apenas visa impedir
o bom debate. A questão deve ser debatida
com absoluta transparência perante o público".
Os Conselhos de Medicina também baseiam
as ações na existência de dano
irreparável ou de dificílima reparação
à saúde do povo brasileiro, especialmente
a mais carente, se houver a manutenção
da MP 621. "O ingresso de médicos estrangeiros
no território brasileiro para serem 'jogados'
nos mais longínquos rincões ou mesmo
nas periferias das regiões metropolitanas
sem nenhum controle de sua capacidade técnica
é uma atitude, no mínimo, temerária,
para não dizer criminosa".
As entidades ainda apontam o risco das incertezas
advindas do não domínio da língua
portuguesa pelos médicos estrangeiros, que
afetaria a comunicação verbal nas
consultas e escrita, no momento da prescrição
de receitas. "São estas gritantes incongruências
que militam em favor de uma medida judicial urgente
que acolha o princípio da precaução
e evite a perpetração de danos à
saúde dos destinatários deste famigerado
Projeto Mais Médicos para o Brasil. Danos
estes que o homem médio, minimamente esclarecido,
tem todas as condições de antever".
Ausência de Revalida –Na
argumentação dos Conselhos, são
apontados equívocos como a dispensa de revalidação
de diploma de Medicina de origem estrangeira. Em
lugar disso, a MP 621/13 criou uma "declaração
de participação" para os inscritos,
retirando dos CRMs a competência para avaliar
a qualidade profissional do médico intercambista.
Isso ocorre com a supressão da possibilidade
de fiscalizar o exercício profissional por
meio da análise documental exigida.
"Tal Medida Provisória, se implementada,
acarretará a violação direta
da Carta Magna (Art. 2º e 196), assim como
da Legislação infraconstitucional
(Lei 3.268/57 e Lei 9.394/96), pois acarretará
na contratação de pessoas (intercambistas),
sem a necessária comprovação
de habilitação profissional (revalidação
do diploma) e sem o domínio do idioma nacional
(Celpe/BRAS), para a realização de
atendimento médico em inúmeros municípios
da Federação. Também criará
uma subcategoria de médicos no Brasil",
cita o CFM em sua ação.
Com a MP 621, o Governo manifesta intenção
de permitir o exercício irregular e ilegal
da medicina no Brasil, pois a revalidação
automática dos diplomas de medicina expedidos
no exterior viola a Lei n.º 9.394/96, que exige
seu reconhecimento com prova da formação
recebida pelo seu portador, ressalta a peça
dos Conselhos. Com este artifício, a Medida
Provisória cria uma categoria diferenciada
de profissionais para isentá-la do cumprimento
da LDB no ponto em que a dispensa da até
então obrigatória revalidação
dos diplomas de graduação expedidos
por universidades estrangeiras.
Para o CFM e CRMs, este dispositivo da MP afronta
"a Constituição Federal, na medida
em que dá tratamento diferenciado a médicos
estrangeiros ou brasileiros formados em universidades
estrangeiras que aderirem ao Projeto Mais Médicos
para o Brasil; mas que deveriam estar, constitucionalmente,
no mesmo patamar dos demais que não aderirem
a tal Projeto".
Decisões já tomadas pela Justiça
Federal, em processos movidos no Tocantins e no
Acre, são favoráveis à tese
do CFM. "O Estado deve tratar a todos com igual
consideração e respeito. Decorre dessa
premissa que o serviço de saúde prestado
a uma pessoa que resida em Ipanema (Rio de Janeiro),
na região dos Jardins (São Paulo)
ou no Lago Sul (Brasília), por exemplo, deve
ter a qualidade mínima exigida do serviço
prestado ao morador de morro carioca, do pantanal,
do semiárido nordestino ou da floresta amazônica.
Isso porque, sendo todos iguais, não se justificaria
que o Estado tratasse pior o ribeirinho amazônico
em relação a alguém que, por
pura sorte, tenha nascido numa área nobre
de uma metrópole brasileira. Aliás,
convém lembrar que o art. 196 da Constituição,
(transcrito anteriormente, exige acesso "universal
e igualitário" aos serviços de
saúde. É assim que tem de ser",
afirma trecho de sentença reproduzida na
ação.
Língua portuguesa –Outro
ponto questionado diz respeito à exigência
genérica feita no texto da MP 621 de que
os estrangeiros deverão possuir conhecimentos
de língua portuguesa. No entanto, o texto
não especifica os critérios de habilitação
do nível desse conhecimento da língua.
No entendimento do CFM, a generalização
foi propositalmente inserida para, na prática,
ignorar este importante requisito e permitir que
profissionais exerçam a medicina no território
brasileiro sem ter o domínio necessário
do idioma nacional. Não há, inclusive,
citação de comprovante deste domínio
dentre os documentos a serem apresentados ao CRM
para expedição de registro provisório.
Como forma satisfazer a exigência, o Governo
anunciou o "Módulo de Acolhimento e
Avaliação de Médicos Intercambistas",
com carga horária mínima de 120 horas
e os seguintes conteúdos: legislação
do SUS; funcionamento e atribuição
do SUS (atenção básica); Língua
Portuguesa. "Um cursinho de 120 horas será
o suficiente para a aquisição das
habilidades mínimas de domínio da
língua portuguesa por parte de um médico
estrangeiro?", questiona a ação
proposta pelos Conselhos.
Em 2008, o CFM editou a Resolução
1.831, que exige do médico com diploma de
graduação obtido em universidade estrangeira
o Certificado de Proficiência em Língua
Portuguesa para Estrangeiro (CELPE/BRAS). Trata-se
de documento conferido aos estrangeiros com desempenho
satisfatório em teste padronizado de português,
desenvolvido pelo Ministério da Educação.
O exame é aplicado no Brasil e em outros
países com o apoio do Ministério das
Relações Exteriores.
Portanto, segundo os argumentos apresentados, os
CRMs não podem ser obrigados a expedir registros
provisórios a estes médicos intercambistas
que se formaram no exterior sem a comprovação
prévia do domínio da língua
portuguesa em nível intermediário
ou Superior. A imposição desse ato
Governo feriria s princípios da razoabilidade
e da proporcionalidade.
Subcategoria profissional –A
terceira irregularidade apontada se refere à
criação de duas categorias de profissionais
da medicina no país, com a edição
da MP 621. A primeira formada pelos profissionais
que poderão exercer a medicina livremente
em todo o território nacional. A segunda
composta pelos incluídos no Projeto Mais
Médicos, que terão seu direito ao
exercício profissional limitado a certo território.
"Estabelece-se, portanto, uma subcategoria
de profissionais da medicina para atender a população
carente e que reside no interior do Brasil, enquanto
que os brasileiros residentes nas grandes capitais,
e que possuem recursos financeiros, poderão
ser atendidos por profissionais médicos que,
em tese, pertencem a uma classe superior, pois podem
exercer sua profissão livremente, em todo
o território nacional e livre dos embaraços
e pressões manejados pelos superiores hierárquicos
do Projeto", argumenta-se.
No entendimento do CFM e CRMs, tal situação
viola nitidamente a Constituição Federal,
que expressamente prevê o "livre o exercício
de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais
que a lei estabelecer". Para os Conselhos,
este direito deve ser compreendido como fundamental
de personalidade, "derivação
que é da dignidade da pessoa humana, concebido
com a finalidade de permitir a plena realização
do sujeito, como indivíduo e como cidadão".
Ao impor que determinados profissionais da medicina
somente poderão exercer a profissão
nos limites territoriais definidos pelos gestores
do Programa, a MP viola frontalmente ao mandamento
constitucional, limitando o exercício pleno
da dignidade humana no exercício da prática
profissional, afirma o CFM, em sua ação.
"Assim, a limitação do exercício
da profissão médica em determinado
espaço do território nacional, vedando
a prática do ofício em outras localidades
atinge o núcleo essencial do direito fundamental
à liberdade de trabalho, ofício ou
profissão, consagrado pelo inciso XIII, do
art. 5º, da Constituição Federal
de 1988 em prejuízo direto à boa medicina".