No entanto, na visão de especialistas venezuelanos,
o êxito político não se traduziu
em melhoras estruturais no sistema de Saúde.
Pelo contrário. Importantes médicos
do país ouvidos pelo GLOBO fizeram um balanço
negativo da experiência e destacaram a falta
de preparação dos profissionais, graves
denúncias de má prática e condições
desumanas de trabalho que, em alguns casos, levaram
à fuga de cubanos.
Atualmente, de acordo com o governo venezuelano,
o programa conta com mais de seis mil consultórios
médicos, três mil odontológicos
e 559 centros de diagnóstico integral, os
modernos CDIs. O Palácio Miraflores afirma
que as críticas fazem parte de um “plano
da oligarquia para acabar com tudo o que foi feito
por Chávez” e defende com unhas e dentes
a experiência dos médicos cubanos,
apesar dos questionamentos de acadêmicos e
até mesmo da Federação Venezuelana
de Medicina.
Segundo o presidente da federação,
Douglas Léon Natera, dos seis mil módulos
de assistência médica construídos
pelos cubanos, somente 20% seguem em funcionamento.
Ele relatou alguns exemplos de mau exercício
da função, como o de um rapaz de 18
anos que teria chegado a um dos módulos do
Barrio Adentro com 41 graus de febre. A mãe
disse que ele era alérgico a dipirona. No
entanto, o médico cubano teria dito que primeiro
trataria a febre e injetou dipirona. Cinco minutos
depois, o rapaz estava morto por choque anafilático.
— No dia seguinte, o cubano não estava
mais lá — diz Natera.
Um dos casos mais escandalosos e de grande repercussão
na mídia local foi o da jovem Leomary Andara
Romero, que disse ter sido mal atendida pelo médico
cubano Pedro Pablo López, numa cirurgia para
extrair três dentes. Segundo Leomary e sua
família, López cometeu vários
erros e terminou provocando uma gravíssima
hemorragia. A jovem teve de ser levada de avião
da região de Trujillo para Caracas, onde
foi tratada de urgência.
No documento “A grande fraude no Sistema
de Saúde durante o regime chavista”,
José Félix Oletta López, ex-ministro
da Saúde e atual professor da Escola de Medicina
Vargas e da Universidade Central da Venezuela (UCV),
afirma que a ida dos cubanos não melhorou
indicadores de Saúde.
— Não houve mecanismo de auditoria
independente e transparente para avaliar os resultados
desse programa. Não sabemos sequer se todos
eram médicos, quantos vieram, nunca vimos
um diploma. Em 2009, o próprio Chávez
admitiu que 50% dos consultórios populares
não estavam funcionando direito. A meta era
ter 17 milhões de venezuelanos atendidos,
mas não se chegou nem à metade —
diz López.
Ele mencionou alguns indicadores que confirmam
a deterioração do sistema de Saúde
venezuelano nos últimos anos. Em 1998, o
país registrava 51 mães falecidas
para cada 100 mil crianças nascidas; em 2010,
o número subiu para 69,3. Até 1998,
a mortalidade infantil era de 13 bebês para
cada mil nascidos vivos; hoje, é de 15,1.
A presença dos cubanos, disse López,
não ajudou a melhorar a saúde materno-infantil.