Nessa linha, merecem atenção
as conclusões de debate sobre o programa,
promovido pelo Instituto de Estudos Avançados
da Universidade de São Paulo (USP), que reuniu
renomados especialistas na questão.
Debates como esse servem para expor alguns dos
principais males que corroem o Sistema Único
de Saúde (SUS) - entre eles a opção
por ações emergenciais, em detrimento
de medidas estruturantes, subfinanciamento e adoção
de políticas inspiradas em interesses eleitorais.
Busca-se só alívio dos sintomas, em
vez de atacar a sua causa. Um exemplo disso seria
o Mais Médicos.
O professor Paulo Hilário Saldiva, da Faculdade
de Medicina da USP, chama a atenção
para um outro aspecto do problema, até agora
pouco discutido - o que define como privatização
branca do SUS: "A mesma (privatização)que
ocorre na segurança quando você decide
instalar uma guarita na rua porque tem medo da violência;
escola ruim, você paga uma particular; transporte
ruim, o melhor é comprar um carro. Na saúde
tem os planos de saúde. Esse processo de
privatização branca vem desmontando
o SUS".
Ele também considera a contratação
de médicos brasileiros e estrangeiros, dentro
daquele programa, sem direitos trabalhistas e avaliação
de sua competência, como mais uma forma de
enfraquecer o SUS.
Independentemente de suas motivações
políticas - das quais as ações
do governo federal nesse terreno também não
estão isentas, ao contrário -, o governador
Geraldo Alckmin está coberto de razão
ao afirmar que "mais médico é
bom, agora esse não é o problema da
saúde brasileira hoje. O problema é
o financiamento". Seu diagnóstico do
SUS coincide com o de especialistas alheios à
política: "O SUS entrou em colapso,
em crise, porque prestadores de serviço não
têm mais como prestá-lo. A tabela (de
procedimentos) precisa ser corrigida".
O governo investe no Sistema Único de Saúde
muito menos do que deveria. Prova disso é
que aquela tabela cobre apenas 60% dos custos. Os
40% restantes têm de ser cobertos pelos hospitais
privados - Santas Casas e hospitais filantrópicos
- que prestam serviços ao SUS. Isso também
não deixa de ser uma forma de privatização
perversa do SUS.
Afinal, embora o governo não se canse de
exaltar o atendimento universal prestado pelo SUS,
são entidades privadas que pagam 40% de suas
despesas. Recorde-se que elas respondem por 45%
das internações do SUS e por 34% dos
leitos hospitalares do País.
Como, evidentemente, essa conta não fecha,
as Santas Casas e os hospitais filantrópicos
acumulam dívidas enormes. Em maio, segundo
a Comissão de Seguridade Social da Câmara
dos Deputados, elas ultrapassavam R$ 11 bilhões.
Também nesse caso, está-se se tentando
apenas remediar em vez de atacar a causa do problema.
Na verdade, a "solução"
em vista no Congresso piora as coisas.
Está pronto para ser votado na Câmara
projeto de lei que concede anistia tributária
às Santas Casas, dentro de um programa de
fortalecimento das entidades filantrópicas
que atuam na área da saúde (Prosus).
Apresentado assim, ele parece capaz de pelo menos
aliviar as dificuldades dessas entidades.
Mas uma emenda ao projeto original o transformou
num verdadeiro desastre. Diz seu artigo 5.º
que um dos requisitos para aderir ao programa é
a "oferta de serviços de saúde
ambulatoriais e de internação ao Sistema
Único de Saúde (SUS) em caráter
adicional aos já realizados, a partir de
rol de procedimentos definido pelo Ministério
da Saúde, desde que haja capacidade instalada
e demanda".
Trocado em miúdos, isso significa que para
receber o benefício da anistia tributária
as Santas Casas terão de oferecer mais serviços
além daqueles que já prestam e as
levaram a se endividar por serem sub-remunerados.
Um presente de grego que vai agravar ainda mais
a crise da saúde.