Ele
explica por que a criação do sistema
público brasileiro significou uma revolução
para o povo brasileiro, aponta as principais conquistas
e desafios, e fala sobre os maiores inimigos da saúde
pública, hoje, no Brasil.
Para Temporão, apesar dos
inúmeros avanços, resta ainda um longo
caminho a ser trilhado para a implementação
do SUS conforme pensado por seus idealizadores e como
apresentado na Constituição. Entre as
questões, o que considera um falso argumento
a respeito de má gestão e a verdadeira
questão da falta de recursos, que, a depender
do Congresso, parece que seguirá sendo um problema
crônico do sistema.
Quando Temporão comandava
o Ministério da Saúde, durante o governo
Lula, o Senado vetou a continuidade da Contribuição
Provisória sobre Movimentação
Financeira (CPMF), o que acabou tirando R$ 40 bilhões
ao ano do setor.
Padrão Brasil –
Em recente palestra o senhor afirmou que sem o SUS,
certamente, o Brasil viveria uma barbárie social.
Por quê?
O termo vem de ação
cruel, de bárbaros: abandonar o povo à
própria sorte em relação aos
cuidados e políticas de saúde. A ausência
do SUS seria a negação da saúde
como um direito de cidadania e o abandono de milhões
de brasileiros à própria sorte no caso
de doença ou sofrimento, ou submetê-los
à proteção da caridade ou da
filantropia, que era exatamente a situação
anterior a 1988. Isso seria a negação
do processo civilizatório de que nos fala Norbert
Elias e que Sergio Arouca reafirmou.
Padrão Brasil –
Em outubro o SUS completou 25 anos. Nesse período
quais conquistas você considera as mais importantes?
São inúmeras e impossível
sumarizá-las neste espaço. Saímos
de um modelo centralizado e autoritário para
uma radical descentralização com participação
da sociedade no controle das políticas. Ampliou-se
muito a cobertura e o acesso a procedimentos dos mais
simples (vacinação) aos mais complexos
(transplantes). O impacto desta política sobre
indicadores como expectativa de vida ao nascer, mortalidade
infantil, entre outros foi brutal.
Padrão Brasil –
E os principais desafios e problemas a serem enfrentados
para o Brasil concretizar a implementação
do SUS como está na Constituição?
Inúmeros. Da conquista definitiva
da sustentabilidade econômico-financeira, passando
pela busca de um grau maior de eficiência e
qualidade, até a implementação
de políticas intersetoriais e transversais
para atuar sobre os determinantes sociais da saúde.
Resta ainda um longo caminho.
Padrão Brasil –
O SUS nunca esteve no patamar de política pública
prioritária, como estão as questões
econômicas. Nesse período, tivemos governos
com ideários neoliberal e desenvolvimentista.
Se a alternância política e ideológica
não recolocou a saúde no centro da agenda
pública, quem poderá fazê-lo?
O processo político-ideológico
de construção de uma consciência
política onde coletivamente enquanto nação
possamos compreender o valor do SUS como bem, patrimônio
do povo e da nação e política
insubstituível de conquista de cidadania e
de redução de desigualdades. E apenas
no momento em que do mandatário maior da nação
ao brasileiro mais humilde todos tenham acesso ao
mesmo padrão de atenção no tempo
e no espaço, teremos alcançado esse
patamar.
Padrão Brasil –
O SUS que temos hoje corresponde a quanto das suas
expectativas da época da militância,
nas décadas de 70 e 80?
Temos que olhar essa construção
como um processo político que vai atravessar
gerações. Não há frustração
ou desânimo. Avançamos, mas temos que
avançar mais.
Padrão Brasil –
No Brasil, é crescente o número de cidadãos
que optam por planos privados porque não confiam
no SUS. Ainda é possível acreditar e
apostar num sistema público, universal, gratuito
e de qualidade que atenda às necessidades dos
brasileiros?
Sim! É possível desde
que esse processo político maior que se coloca
no campo da consciência sanitária se
fortaleça. Hoje, infelizmente são inúmeros
os vetores de fortalecimento do mercado privado e
de fragilização do SUS implementados
por governos de vários matizes ideológicos.
Padrão Brasil –
No Brasil, o subfinanciamento e decisões políticas
e econômicas que fortalecem e viabilizam o mercado
privado constituem barreiras para a consolidação
da saúde pública universal. Além
desses, quais são, hoje, os principais inimigos
do SUS?
Os inimigos são muitos nem
sempre fáceis de detectar precocemente. A denominada
judicialização da saúde é
um deles, mas a medicalização que força
a incorporação de tecnologias de modo
acrítico, a defesa ortodoxa de uma estrutura
de Estado que já não dá conta
dos desafios da gestão contemporânea,
a visão arraigada (e equivocada) de que saúde
se confunde com assistência médica, a
manutenção de um “sistema de castas”
para atender os mais ricos e poderosos no andar de
cima e o povão no andar de baixo… estão
aí como forte obstáculos.
Padrão Brasil –
Uma proposta de iniciativa popular para destinar 10%
das receitas brutas da União para a saúde
pública foi derrotada no Congresso. Até
quando a sociedade brasileira vai conviver com um
sistema de saúde subfinanciado?
Esse é um dos sintomas do
que considero grave patologia social: asfixiar o SUS
financeiramente afirmando que o problema central do
modelo seria a gestão inadequada dos recursos
existentes. Não percebo hoje no Congresso Nacional
nenhum compromisso maior com o SUS.
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