Untitled-1fonte: O Globo

A voz baixa e a fragilidade denunciam que a idosa Cléa Ferreira dos Santos, de 74 anos, inspira cuidados. Com 35 batimentos cardíacos por minuto — o normal é de 60 a 100 —, ela aguardava, no último dia 4, na UPA de Marechal Hermes, uma vaga no Instituto Nacional de Cardiologia (INC), em Laranjeiras, em frente ao qual o fotógrafo Luiz Claudio Marigo morreu, semana passada, sem receber socorro. A espera já durava três dias. Como a vaga não veio, a filha Ana Lúcia Ferreira Macedo recorreu à Justiça. A paciente foi, então, transferida por ordem judicial para o Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro, no Humaitá, onde receberá um marca-passo. Já o pedreiro Ricardo Lima dos Santos, de 38 anos, depois de operado de um câncer no cérebro no Hospital Federal de Bonsucesso, não conseguiu atendimento pós-operatório na unidade, cuja emergência funciona num contêiner há três anos. Ricardo foi para casa e voltou a ser internado em estado grave, no Hospital Municipal Miguel Couto, onde morreu na última quarta-feira.

As duas histórias, em que pacientes dependiam de atendimento de alta complexidade oferecido na rede federal, ilustram uma realidade que já se reflete nas estatísticas. De 2012 para 2013, segundo o Datasus, o número de internações nos seis hospitais federais do Rio caiu de 43 mil para 40 mil — 7%. Só para efeito de comparação, os hospitais municipais registraram, no mesmo período, um aumento de 8,3% nas internações, de 60 mil para 65 mil. Um crescimento que incluiu até procedimentos de alta complexidade, responsabilidade da rede federal: foram 954 casos desse tipo só no ano passado. O estado também vem assumindo a mesma função. A Secretaria estadual de Saúde informa que, em 2013, recebeu 450 casos do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into). Por nota, o órgão acrescentou que “todas as unidades estaduais estão apresentando aumento significativo de demanda de pacientes, por conta do fechamento de serviços e restrição de atendimento nas emergências dos hospitais federais”.

A crise nos seis hospitais e três institutos federais sediados no Rio também tem outros sintomas, como a fila de cirurgias, que não para de crescer. Até o mês passado, ela acumulava 15 mil pacientes. O impasse deve ser decidido hoje em audiência de conciliação na 3ª Vara Federal. O defensor público federal Daniel Macedo, que move uma ação civil pública contra a União, chama a atenção para a gravidade do problema. Ele diz que alguns pacientes aguardam até dez anos por uma cirurgia:

— Imagine quantas pessoas já morreram esperando cirurgia ou que já operaram em outro hospital. Se não houver uma solução, vou pedir ao juízo o bloqueio de 30% dos valores destinados à publicidade do Ministério da Saúde. Não se deve fazer propaganda de algo que não está funcionando bem.

Em 2013, os seis hospitais federais no Rio (Bonsucesso, Andaraí, Cardoso Fontes, Lagoa, Ipanema e dos Servidores) tiveram orçamento de R$ 663 milhões e folha de pagamento de R$ 1,2 bilhão. Já os seis da prefeitura (Miguel Couto, Souza Aguiar, Pedro II, Lourenço Jorge, Salgado Filho e Ronaldo Gazolla) contaram com orçamento de R$ 298 milhões e cerca de R$ 411 milhões para pagamento de pessoal. As unidades federais, pela responsabilidade do atendimento de alta complexidade, recebem um volume de recursos bem maior. Os hospitais do estado (Adão Pereira Nunes, Albert Schweitzer, Alberto Torres, Getúlio Vargas, Rocha Faria e Azevedo Lima) tiveram gastos com custeio e investimentos de R$ 385 milhões e de R$ 577 milhões com pessoal.

Há serviços cada vez mais escassos. Há duas semanas, os ministérios públicos estadual e federal do Rio movem ação contra União, estado e município do Rio, a fim de ampliar o acesso à radioterapia. Em janeiro, havia 428 pacientes na fila desse tratamento no estado, e a lei 12.732/12 determina que o prazo máximo de espera é de 60 dias. A procuradora federal Roberta Trajano ressalta que o principal prestador desse tipo de serviço é a rede federal.

— Diante da demanda de pacientes com câncer à espera do tratamento, tivemos que entrar com a ação — explicou.

Apesar de três ordens judiciais, Myriam Barbosa de Mattos, de 59 anos, que tem câncer de mama, não consegue fazer a radioterapia. Depois de passar pela UPA da Barra, ela foi para o Hospital da Piedade, onde faz tratamento paliativo.

— Minha mãe veio para cá com insuficiência respiratória e derrame nos pulmões. Descobriram que era câncer de mama. Estou desesperada. Tomei ódio dessa palavra: “esperar”. Só falam isso. Minha mãe tem que ir para o Inca — lamentou a cozinheira Daniele Mattos, filha da paciente.

O Ministério da Saúde informou que já negocia com estado e município do Rio a gestão das filas, além da inclusão de pacientes das unidades federais na lista de regulação de vagas controlada pelos gestores locais da saúde.