fonte: SaúdeBusiness

por Ênio Salu *

O último relatório da ANS exibe uma série de demonstrações que, ao meu ver, são tendenciosas porque escondem números que realmente permitiriam analisar a lucratividade das operadoras. Mas mesmo com estes números é possível estabelecer um paralelo entre a receita da saúde suplementar e a do SUS, e o reflexo na sociedade.

Gostaria primeiro de questionar a forma como a ANS analisa a receita das operadoras e o custo que têm em relação aos serviços de saúde.

O relatório demonstra o crescimento de 14,65 % na receita, contra o crescimento de 16,23 nos custos, e isso serve de justificativa para a ANS defender aumento no preço dos planos de saúde … um absurdo.

Isso seria verdade se não existisse rede credenciada dos planos de saúde, mas a realidade está muito distante disso: a maior das operadoras (conglomerado de cooperativas de médicos) tem rede própria e quase todo o seu atendimento é direcionada para ela !

Este fato que a ANS não cita em seu relatório distorce completamente a análise, uma vez que nestes casos o aumento do custo na verdade representa receita para a operadora, e os preços praticados por serviços de saúde de rede própria são maquiados, caso a caso.

Da forma como o relatório é apresentado, tende a ‘crucificar’ os serviços de saúde como se eles pudessem aumentar preços indiscriminadamente junto às operadoras, o que sabemos não ser verdade: na verdade a maioria absoluta dos serviços de saúde ficam reféns das operadoras nas negociações de reajustes de preços – apenas alguns poucos conseguem ‘falar grosso’ na hora da negociação.

Para a finalidade que a ANS quer dar ao relatório, este deveria segregar as operadoras que têm rede própria das que não têm, apresentando a evolução da receita e da despesa destes 2 grupos separadamente – da forma como está só serve para privilegiar o reajuste de preços indiscriminado que ela acaba de divulgar, e ainda garantindo cobrança retroativa (só no Brasil mesmo ! … em qualquer país do mundo isso seria inadmissível).

Mas os números globais servem para analisarmos a possível falta de recursos do sistema SUS. Há anos temos defendido a tese de que as verbas do SUS seriam suficientes para prestar atendimento de qualidade infinitamente superior a que o vemos praticar.

Pelos números da ANS o custo da saúde suplementar é de R$ 105 bilhões. Deste número ninguém duvida, apenas questionamos que ‘seja colocado tudo quanto é tipo de prestador no mesmo saco’. Vamos fazer um exercício simples:

  • Supondo que os investidores retirem 12 % disso, o que reduz o custo real para 93 bilhões. Não dá para acreditar que um investidor deixaria de aplicar na bolsa para aplicar em saúde suplementar se render menos que isso;
  • Vamos supor também que deste custo, 15 % é composto de impostos, o que reduz o custo real para R$ 79 bilhões. É claro que se computar 20 % da cota patronal do INSS, ICMS, ISS, encargos trabalhistas e contribuições sobre faturamento a carga tributária é muito maior que 15 %.
  • Então concluímos que o padrão de atendimento da saúde suplementar para 50 milhões de beneficiários se sustenta com 79 bilhões !!!

O sistema SUS cuida (deveria cuidar) dos 150 milhões de habitantes restantes:

  • O governo (em todas as instâncias) arrecada algo em torno de R$ 1,75 trilhões;
  • Se destinar apenas 15 % do que arrecada para a saúde, ficará para o SUS R$ 262,5 bilhões.

Isso é mais do que 3 vezes os 79 bilhões gastos na saúde suplementar, ou seja, é dinheiro suficiente para dar aos 150 milhões de habitantes pelo menos o mesmo padrão que os beneficiários da saúde suplementar têm !!!

Qualquer pessoa pode criticar alguma imprecisão nos cálculos, mas a ideia central não pode ser contestada. Se não concordar que o SUS tem dinheiro para dar o mesmo padrão de atendimento da saúde suplementar, pelo menos deve admitir que tem dinheiro para dar atendimento de qualidade infinitamente melhor do que dá.

É evidente que o problema da saúde pública não é falta de dinheiro … o problema é que o dinheiro não chega onde deve, e o governo fica utilizando artifícios vergonhosos para não atacar o problema de frente: congela tabela SUS, aplica recursos em novos serviços sem fazer gestão adequada dos que existem, promove disputa entre as instâncias municipal, estadual e federal: não ataca o problema.

Com os números que a ANS divulga, a única conclusão que podemos chegar é que a gestão da saúde suplementar e do SUS é vergonhosa.

* Ênio Salu:

Formação acadêmica: Graduado em Tecnologia pela UNESP – Universidade do Estado de São Paulo; Pós Graduado em Administração pela USP – Universidade de São Paulo; o Especializações pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. • Histórico profissional: o Sócio Diretor da empresa Escepti; o Diretor da Furukawa Industrial, Hospital Sírio Libanês e Fundação Zerbini – InCor; o Líder de projetos na Austin Engenharia, Grupo O Estado de São Paulo e NTI. • Histórico Acadêmico: o Docente pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), CEEN-PUC/GO (Pontifícia Universidade Católica), FIA (Fundação Instituto de Administração FEA/USP), FUNDACE (Fundação para o Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia FEA/USP), entre outras; o Coordenador de Curso de MBA da Fundação Unimed; o Autor do Livro Administração Hospitalar no Brasil, Editora Manole, 2012; o Autor do Livro Modelo GCPP – Gestão e Controle de Projetos e Processos; o Membro do Comitê Científico do CATI-FGV/SP. • Outras Atividades: o Membro efetivo da FBAH (Federação Brasileira de Administradores Hospitalares); o Associado da NCMA (National Contract Management Association); o Diretor no Conselho de Administração da ASSESPRO-SP. • Especializações Complementares: o Administração de Unidades Comerciais – SubwayCo – Miami; o Análise de Problemas e Tomada de Decisão – Kepner Treggoe; o Inúmeros cursos relacionados à Tecnologia da Informação, especialmente Análise Estruturada de Sistemas, Modelagem de Dados, Linguagens de Programação, Sistemas Gerenciadores de Bancos de Dados e Infraestrutura.