fonte: Folha de SP

por Cláudia Collucci, jornalista especializada em saúde

Mais do que a definição do nome que assumirá o Ministério da Saúde (especula-se dois, o oncologista Nelson Teich e o diretor do Hospital de Câncer de Barretos, Henrique Prata), o setor espera um plano de governo de fato para a área que tem o segundo maior orçamento da União (R$ 130,8 bilhões) e é a maior fonte de preocupação do brasileiro.

As proposta apresentadas até agora pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), ou são equivocadas ou são tão genéricas que tornam impossível qualquer análise. A primeira falácia é dizer que o SUS já gasta o suficiente em saúde e que basta acabar com a corrupção e aumentar a eficiência que mais recursos vão brotar.

Ninguém duvida que essas iniciativas sejam fundamentais, mas beira a má-fé dizer que a área não precisa de mais verba. Quando se olha o valor absoluto ou o gasto per capita em saúde, estamos muito atrás dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Outro equívoco é em relação ao programa Mais Médicos, lançado em 2013 pelo PT, por meio de cooperação com a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde). Bolsonaro promete expulsar os profissionais que não passaram pelo Revalida, exame nacional exigido por formados no exterior que queiram exercer a medicina no país.

Ocorre que esse exame é válido para quem quer exercer a profissão médica de forma independente no país. Na visão da Opas, não se aplica a profissionais que trabalham apenas dentro do programa e que já passam por acompanhamento e avaliações.

Essa é uma exigência do CFM (Conselho Federal de Medicina), utilizada para garantir mercado. Antes de tomar qualquer decisão em relação aos cubanos, sugiro que o presidente eleito busque informações não envenenadas sobre os resultados do programa.

Na conferência internacional sobre atenção primária em Astana (Cazaquistão), a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou uma publicação em que coloca o Mais Médicos com um caso de sucesso, aprovado por 95% da população que o utiliza.

Segundo a OMS, o programa, que atende a uma população de 63 milhões de pessoas, aumentou o número de consultas médicas em 33% e a cobertura da atenção primária (de 62,7% para 70,4%). Também levou a uma diminuição de hospitalizações evitáveis de 45% para 41%.

Outros estudos citados pela OMS também demonstram uma diminuição da iniquidades regionais, especialmente no Norte e no Nordeste, com a presença de médicos em regiões vulneráveis que nunca tinham visto um doutor por perto.

Outra ideia de Bolsonaro para saúde, o tal “credenciamento universal dos médicos”, onde qualquer médico poderia escolher onde trabalhar, se na rede privada ou no SUS, é tido como “uma bobagem” pelos especialistas em gestão pública.

A proposta já foi defendida no passado, mas não seguiu adiante porque, além de representar mais custos para o sistema público, os planos de saúde não tiveram interesse no assunto. Aliás, sobre o setor suplementar, que atende a um quarto da população brasileira, Bolsonaro não apresentou propostas concretas.

O prontuário eletrônico nacional interligado, outra promessa do presidente eleito, é uma medida teoricamente válida, que já foi tentada por governos anteriores, mas que, além de ser de difícil implantação, é uma tarefa que deve ser abraçada antes por estados e municípios. Só depois, com esses sistemas funcionando e conversando entre si, é que será possível a interligação no âmbito federal.

Embora venha repetindo à exaustão que vai melhorar a gestão e combater a corrupção na área da saúde,  Bolsonaro ainda não deu sinais de que forma pretende fazer isso. Um bom começo seria não aceitar interferência política dos partidos na nomeação do novo ministro e dos cargos chaves da pasta. Um caso recente mostra o resultado dessa prática nefasta tão enraizada na política nacional.

Há duas semanas, o atual diretor do departamento de atenção básica do Ministério da Saúde, João Salame Neto, foi preso pela Polícia Federal acusado de estar envolvido em esquema de desvio de mais de R$ 2 milhões de recursos públicos destinados à compra de gás medicinal no Pará.

Ex-prefeito de Marabá, João Salame Neto chegou ser afastado do cargo por improbidade. Passou a integrar o governo de Michel Temer desde agosto de 2017, indicado pelo PP durante negociações para barrar denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da União) contra Temer na Câmara.

Essa troca de favores políticos por cargos, esse balcão de negócios estabelecido há décadas pelo Executivo e Legislativo, tem sido um câncer na administração pública e, em especial para o SUS. Se Bolsonaro pretende mesmo tornar a área mais eficaz e menos corrupta como vem alardeando, acabar com essas indicações espúrias e exigir a profissionalização de gestores seriam passos fundamentais.