fonte: Folha de SP

por Paola Minoprio, diretora de pesquisa do Instituto Pasteur de Paris, coordenadora da Plataforma Cientifica Pasteur – USP, conselheira de comércio exterior da França

Com surpresa constato quantas pessoas falam hoje de picos, achatamento de curvas e de números de casos confirmados da Covid-19, causada pelo Sars-CoV-2, conhecido como “o novo coronavírus”. Todas querem entender como o isolamento pode ajudar a contemporizar a busca por hospitais e, sobretudo, não saturar os leitos de UTI destinados aos pacientes mais graves.

As medidas não farmacológicas, como lavar as mãos, usar álcool em gel e o uso de máscaras, assim como as normas de controle do contágio tais como home office, fechamento de escolas, universidades e o distanciamento social, constituem ainda a maneira mais adequada para atenuar a transmissão do vírus.

Entretanto, parte dos brasileiros parece não entender que o nosso sistema de defesa é ingênuo face à morbidade deste vírus e precisa se preocupar mais com a imunidade de rebanho que alguns querem forçar estimulando a saída do isolamento. Isso implicaria na morte de milhões de pessoas.

Na realidade, a pergunta que não quer calar é: a infecção com o novo coronavírus é capaz de gerar imunidade protetora e nos blindar contra futuros contatos com o Sars-CoV-2? A resposta, que interessa a especialistas de saúde pública e de economia, pode ser simples se levarmos em conta o que já se sabe da infecção com outros vírus. O Sars-CoV-2 é um novo vírus, mas isto não faz dele um completo estranho ao nosso sistema imunológico ou aos cientistas. Ele é muito semelhante a outros coronavírus, e talvez possamos tirar ensinamentos aplicáveis ao processo infeccioso que ele causa.

Deste modo, os estudos do médico inglês Edward Jenner em 1798 sobre o vírus da varíola da vaca deram asas à imaginação do químico Louis Pasteur, que desenvolveria técnicas de imunização muitos anos mais tarde, no final do século 19. Ao provar a relação de causa e efeito, associando micróbios à doenças, ele deu origem a numerosos trabalhos científicos sobre a indução da imunidade. Várias são as vacinas hoje disponíveis com geração de anticorpos e células de memória imunológica.

Os benefícios alcançados através da infecção natural ou da vacinação na indução de anticorpos específicos se tornaram evidências contra inúmeras viroses: raiva, febre amarela, hepatite, sarampo, gripe e, mais recentemente, o papiloma humano.

Assim, quanto ao novo coronavírus, ainda que não se tenha suficiente recuo científico para respondermos categoricamente sobre a imunidade, o Sars-CoV-2 não deve ser diferente de tantos outros vírus capazes de induzir uma resposta imune efetiva.

Afinal, indivíduos infectados são capazes de produzir anticorpos, das classes IgM e IgG. A partir deles, possível gerar testes, que serão utilizados para revelar a seroconversão: os soronegativos, que não teriam (ainda?) entrado em contato com o Sars-CoV-2, e os soropositivos que já estariam “imunizados”.

Outro fato relevante foi a autorização obtida pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para estudos de transferência de plasma de pacientes de Covid-19 já recuperados para doentes que ainda têm a infecção, a exemplo da antiga soroterapia. Ora, o plasma de pessoas imunologicamente sadias, além dos 95% de água, possui células, albumina, açúcar, sais, gases, fatores da coagulação e globulinas, entre elas os anticorpos contra o Sars-CoV-2!

Como diria António Coutinho, imunologista português, um dos melhores dos nossos tempos, não sabemos ainda se estes anticorpos são efetivamente neutralizantes e imunizantes contra o coronavírus, mas as hipóteses mais econômicas devem ser sempre preferidas às hipóteses estapafúrdias, e esta é a mais plausível!

Enquanto isto, deem tempo ao tempo, fiquem em casa!