fonte: GP1
A Presidente da Comissão de títulos da da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Supervisora do Programa de Residência em Medicina Intensiva Hospital Getúlio Vargas (HGV), Patrícia Veiga Mello, considerou gravissimo e, de enorme repercussão entre os profissionais das Unidades de Terapia Intensiva do Hospital Getúlio Vargas de Teresina o caso que aconteceu na madrugada desta terça-feira (07).
O juiz Dioclécio Sousa expediu mandado de prisão contra dois médicos por descumprimento de decisão judicial que determinava a transferência de pacientes para Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Um dos casos foi no HGV e o outro no Hospital de Urgência de Teresina (HUT).
Em entrevista ao GP1, o juiz Deoclécio Sousa explicou que: “Tomei essa decisão porque a Fundação Municipal de Saúde é responsável e é para ela que vai a multa de R$ 10 mil, mas o médico também é autoridade competente para encontrar uma solução”.
“O médico plantonista daquela unidade, enquanto prestava atendimento a um paciente em parada cardiaca, foi procurado por oficial de justiça acompanhado de força policial fortemente armada, informando que estava com mandado de prisão contra o médico plantonista caso ele não admitisse um paciente na unidade mesmo ciente que a vaga era inexistente já que todos os leitos da unidade estavam fisicamente ocupados. Creio que a populacao precisa compreender melhor a natureza do problema bem como as vias de solução para que possamos chegar a medidas que de fato resolvam essa situação”, disse a médica.
A recomendação atual é a de que haja no mínimo 1 e idealmente 3 leitos de UTI para cada 10.000 habitantes. Dessa forma, para a população de Teresina que atualmente tem aproximadamente 820 mil habitantes seria necessários no mínimo 82 e idealmente 246 leitos no SUS e para atender a demada do Estado do Piauí deveria ter no mínimo 310 e idealmente 930 leitos de UTI.
“No momento temos 240 leitos de UTI abertos em Teresina. O problema é que apenas 60 leitos adulto e aproximadamente 30 leitos de pediatria estão na rede do SUS. Temos ainda em torno de 20 leitos SUS em instituições privadas mas apenas para casos selecionados de alta complexidade”, relatou.
Ainda segundo a Drª Patrícia Mello: “Dessa forma, a matemática evidencia de forma simples a natureza do problema e o caminho da solução. Especialmente quando compreendemos que esses 110 leitos SUS em Teresina atendem não somente a população de Teresina, e sim todo
o Estado do Piauí e ainda a demanda de estados vizinhos! Precisamos no minimo triplicar o número de leitos existentes de forma emergencial! Não creio que atribuir a ‘descaso médico’ como justificativa e muito menos ‘prender medicos plantonistas’ que não puderam admitir um paciente em uma vaga inexistente possa resolver esse problema matemático”.
“Dessa forma, é inquestionavel a necessidade de que haja esforço e determinação conjuntos das esferas municipal, estadual e federal para viabilizar a abertura de novos leitos em regime de emergência. Isso sim salvará vidas!”, relatou.
A médica fala ainda que é necessário investimento na infraestrutura: “Para que isso aconteça é preciso que haja investimento de infraestrura e tambem na formação e capacitação de profissionais para atuar nessas unidades. Se os gestores não compreenderem isso, construirão apenas áreas físicas equipadas e com uma placa na porta escrito “UTI” mas o atendimento ali prestado não surtirá o resultado esperado! Medicina Intensiva exige muito mais que camas e aparelhos, para que vidas sejam salvas, é a equipe qualificada quem de fato faz acontecer! “.
“Esperamos que os gestores e a justiça compreendam que essa equipe nãopode trabalhar sob ameaca de prisão respondendo por problemas para as quais não tem a capacitação nem autonomia de resolução! Essa equipe resolve sim, o que sabe resolver bem, que é cuidar intensivamente de pacientes graves! Esperamos portanto, que a Justiça e o Ministério Público se aproximem mais das UTIs, de nossos pacientes e de nosso dia-a-dia e que assim conheçam melhor a problemática que discutem. Certamente, assim poderão melhor lutar e defender os direitos de todos!”, finalizou.
Médico fala sobre mandado de prisão
Drº Flávio Melo médico intensivista do HGV ha 26 anos, ex- presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Piaui hoje mais cedo retratou bem o sentimento dos medicos intensivistas de nossa unidade a respeito do ocorrido.
“Demorei a me posicionar. Estou em choque. Durante quase 30 anos de medicina intensiva, mais de 20 anos de plantões em emergencia e UTI, já vivi as situações mais absurdas, épocas de muita carência, crises as mais diversas. Mas nunca vi tamanho descalabro, tanto desrespeito, tanta agressão – com os cidadãos que aguardam “em fila” o direito de uma vaga em UTI e, principalmente, pelos profissionais (aqui representados pela figura do médico intensivista) que têem o mister de cuidar no seu dia a dia de tratar pacientes criticamente enfermos”, explicou Flávio.
“Acho que precisa ficar mais claro para a população. Corre-se o risco de ficar a idéia – ‘foi só ameaçar prender e rapidamente o médico conseguiu a vaga’. A população e o judiciário precisam entender que ao expedir um mandado desses,o juiz não cria vaga para ninguém , mas sim ele faz a opção deliberada de que uma vaga surgida seja cedida para aquele paciente; na maioria das vezes não o mais crítico, ou o mais viável, ou o que aguarda há mais tempo. E que o médico, e apenas ele, recebe treinamento, vai a cursos, fóruns de discussão sobre a eleição de pacientes a serem admitidos a uma UTI. Não é, certamente não é, um juiz, à distância, o profissional indicado para esta tarefa”, explicou Drº Flávio Melo.
Ainda de acordo com o médico: “A população precisa entender o grau de sofrimento e o drama vivido pelo médico que precisa escolher diariamente se quem vai ser admitido à vaga surgida será o senhor de 65 anos com pneumonia grave, numa enfermaria de ortopedia a aguardar cirurgia há 30 dias ou o jovem de 19 com politraumatismo grave por acidente de moto”.
Segundo o presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Piauí (Sotipi) e médico do HUT, Kelson Veras: “Nossa preocupação é sobre as vagas da UTI que é o ponto principal do maior problema dentro do HUT. Tivemos cerca de 500 mortes nos últimos meses por falta de vaga na UTI e muitas dessas mortes são pessoas que agonizam sem atendimento médico. O que é inadmissível dentro de um hospital”.
Sindicato dos Médicos do Estado do Piauí
O Sindicato dos Médicos do Estado do Piauí emitiu nota de repúdio contra a decisão do juiz Deoclécio Sousa. Segundo a nota, “(…) em momento algum houve por parte do profissional médico de plantão descumprimento da ordem exarada, que apenas informou a inexistência de leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva)disponível no momento”.
Confira abaixo nota na íntegra
O Sindicato dos Médicos do Estado do Piauí (SIMEPI), entidade representativa da categoria médica, localizado nesta cidade à Rua Paissandu, 1665, Centro, por sua diretoria,vem por meio desta repudiar de forma veemente a ordem de prisão emitida nesta data pelo douto Juiz Dioclécio Sousa da Silva,contra médico plantonista de um Hospital Público da Capital, por supostamente ter descumprido uma ordem judicial para internação de um paciente.
Primeiro ressaltamos que em momento algum houve por parte do profissional médico de plantão descumprimento da ordem exarada, que apenas informou a inexistência de leito de UTI(Unidade de Terapia Intensiva)disponível no momento.
Há de se ressaltar também que diante da insuficiência de leitos em UTIs para atender a demanda de pacientes, o próprio Ministério Público Estadual do Piauí já ajuizou Ações Civis e realizou a celebração de TAC’S com o Poder Público, para que este efetivasse a imediata transferência de pacientes excedentes para outros hospitais da rede pública ou conveniada do SUS, ou, não havendo leitos disponíveis, que fosse contratado o serviço na rede particular, de modo a garantir o atendimento digno e necessário aos pacientes, no intuito de combater a precariedade no funcionamento das UTIs, objetivando sanar as violações e fazer cumprir as determinações legais.
Assim,entendemos que a ordem emitida fora inadequada, passível de denuncia na Corregedoria do Tribunal de Justiça por configurar abuso de poder por autoridade no exercício de atribuiçãoPública, inclusive porque a ordem foi emitida para pessoa ilegítima, já que o profissional médico não é o responsável pela disponibilidade de leitos nas UTIs.
Por fim, afirmamos que serão adotadas todas as medidas pertinentes ao caso, como forma de defesa da categoria profissional médica.
SINDICATO DOS MÉDICOS DO ESTADO DO PIAUÍ