fonte: O Dia | foto: João Laet, reportagem: Francisco Édson Alves

Moradora de Ramos, na Zona Norte, a faxineira Maria de Lourdes da Silva Cruz, de 56 anos, anda angustiada: sete anos depois de ser submetida a uma cirurgia para a retirada da mama esquerda por causa de um tumor cancerígeno, ela descobriu outro nódulo no lado direito em novembro. Fez uma biópsia imediatamente, mas só conseguiu marcar com um especialista, que lhe dirá se é ou não uma metástase, no hospital filantrópico Mário Kröeff, para o final de abril.

O drama da faxineira é o mesmo de milhares de pessoas que estão sem assistência adequada nos hospitais considerados centros de excelência em diversas especialidades, mas que, segundo o Conselho Regional de Medicina (Cremerj), o Sindicato dos Médicos (Sinmed-RJ) e a Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores, estão se transformando em “referências de crise”. A falta de recursos humanos, a carência de leitos e a demora na reestruturação de prédios antigos são apontadas como as principais causas do “estado terminal” dessas unidades.

“O título de referência é atribuído ao atendimento diferenciado em determinados segmentos e pelo ensino. Atualmente não se percebe nem uma coisa nem outra”, lamenta o diretor do Sinmed, Júlio Noronha.
“Seja de responsabilidade federal, estadual, municipal, ou filantrópica, essas unidades estão em estado terminal, sobrevivendo graças exclusivamente à bravura e resistência das equipes médicas”, afirma o presidente do Sinmed, Jorge Darze, que diz não ver sinal de reabilitação para as instituições. “A tendência é que as especialidades, que já agonizam, não sobrevivam por muito tempo”, adverte.

Os hospitais federais do Andaraí e de Bonsucesso (HFB) são citados como exemplos. O primeiro, tido como referência de vítimas de queimaduras graves, tinha também o único núcleo público de tratamento de hemorragia digestiva do estado, extinto há três anos, por falta de mão de obra. No dia 23 de fevereiro, vistoria pericial determinada pela Justiça, acompanhada por representantes da Advocacia Geral da União, do Ministério Público Federal (MPF) e do Cremerj, constatou a falta de profissionais no setor de queimados, obras inacabadas e déficit de insumos. O resultado da perícia está sendo analisado judicialmente.

“A situação do Hospital do Andaraí é de penúria. A população merece um tratamento melhor e os médicos, melhores condições de trabalho”, defende o diretor do Cremerj, Pablo Vasquez. Já o HFB, fechou, em 2013, sua central de transplantes de fígado. Os aproximadamente 50 médicos, enfermeiros, anestesistas e instrumentistas que atuavam lá, hoje atendem no Hospital São Francisco da Providência de Deus, na Tijuca. Mas a equipe é antiga. Muitos profissionais estão para se aposentar e não há transmissão de conhecimento.

“Quanto mais o tempo passa, mais a minha agonia aumenta. Esperar cinco meses para se ter um veredicto sobre o que eu tenho é desumano, cruel demais. Até lá, pode ser tarde demais para o início de um tratamento”, desabafa Maria de Lourdes, mostrando a caixa de Tamoxifeno, doado por uma amiga, pois, de acordo com testemunhas, no Mário Kröeff o medicamento, que inibe que o câncer se alastre, estaria em falta.

Investimento em médicos seria solução do problema

O vereador Paulo Pinheiro (Psol), da Comissão de Saúde da Câmara, desde a década passada vem acompanhando, segundo ele, a “degradação do sistema de saúde público” no Rio. “A situação só vem piorando. Hospitais importantes, como Paulino Werneck (municipal, na Ilha do Governador), especializado em partos; Iaserj, que se destacava no atendimento ambulatorial; e o Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, fecharam as portas”, diz Pinheiro, atribuindo a crise “à opção equivocada de se terceirizar a mão de obra e privatizar a estrutura do sistema de saúde”.

“A saída é a instituição da carreira pública, de concursos e criação de plano de cargos e salários”, opina. A escassez de hospitais também faz as filas de espera se tornarem gigantes. No Instituto de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (Into), apesar dos bons recursos, quase 13 mil pacientes aguardam por cirurgia, sendo que 64 % entraram na fila em média há um ano.

SMS: 105 novas unidades de saúde

O ensino a médicos residentes é prejudicado, segundo o Sinmed, por causa da escassez de profissionais e estrutura física. No Hospital Universitário Pedro Ernesto, mantido pela Universidade Estadual do Rio (Uerj), há sete anos apenas dez das 20 salas de cirurgia funcionam. Obras estão embargadas pelo Tribunal de Contas. Das 50 cirurgias de alta complexidade diárias, agora são feitas apenas 20. “A população e os residentes são prejudicados”, diz o diretor do Cremerj, Gil Simões, lembrando que o CTI pediátrico do Hospital Souza Aguiar está fechado por falta de profissionais.

A Secretaria Municipal de Saúde informou que “a SMS registrou 200 mil atendimentos de urgência e emergência nas maternidades da rede e aproximadamente 60 mil internações obstétricas no último ano”. A secretaria adiantou que prevê a reabertura do CTI pediátrico do Souza Aguiar até maio. “Não há privatização na rede. As formas de gestão são aprovadas por lei e permitiram ampliar e qualificar a assistência oferecida à população, com a abertura de mais de mil novos leitos e 105 novas unidades de saúde em cinco anos”, destaca um trecho da nota. Contatadas pelo DIA no fim da tarde de sexta-feira, as assessorias da Uerj e do Ministério da Saúde informaram que vão se pronunciar amanhã.