garisfonte: O Globo

A crise financeira do estado chegou à área de saúde. No Hospital Rocha Faria, em Campo Grande, onde o serviço de limpeza não vem sendo pago, a sala de parto está interditada porque o ar-condicionado não funciona por falta de manutenção. Segundo funcionários, as grávidas estão sendo atendidas no centro cirúrgico, onde o sistema de refrigeração central também está com defeito, mas dois aparelhos menores (splits) improvisados foram ligados para que os procedimentos não fossem suspensos. Em outra unidade estadual, o Getúlio Vargas, na Penha, apenas um dos três aparelhos de esterilização está funcionando, o que tem atrasado o ritmo das cirurgias.

Uma análise das contas da saúde revela o tamanho do rombo que levou a esse quadro. A pasta — que já sofre com um contingenciamento de R$ 400 milhões (o orçamento previsto para este ano era de R$ 5,2 bilhões) — está com dívidas. De acordo com consulta feita ao Sistema de Acompanhamento Financeiro do Estado (Siafem) pelo deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), de janeiro a maio, o débito já passa de R$ 350 milhões em serviços que já foram executados este ano, mas que ainda não foram pagos pelo estado. Além dos hospitais, as 28 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) municipalizadas também sofrem com um atraso de R$ 15 milhões na contrapartida estadual.

À ESPERA DE ‘REORGANIZAÇÃO FINANCEIRA’

O governo informou que fará o repasse às UPAs assim que ocorrer a “reorganização financeira” do estado. Sobre a dívida com fornecedores e prestadores de serviços, a Secretaria estadual de Saúde informou que “está atuando, junto à Secretaria de Fazenda, para regularizar pagamentos”. Segundo o órgão, já foram providenciados os repasses para funcionários celetistas e médicos contratados como pessoas jurídicas desde segunda-feira.

Para reduzir as montanhas de lixo nos corredores e salas do Rocha Faria, o estado recorreu à Comlurb, que fez na terça-feira uma faxina de emergência no hospital. Os funcionários terceirizados da unidade denunciam ainda que falta material para fazer a manutenção do prédio.

— Mesmo sem pagamento, nós estamos aqui. Quando somos solicitados, a gente atende. Mas está faltando muita coisa, de lâmpadas até produto específico para a manutenção de ar-condicionado — relatou um funcionário, que preferiu não se identificar.

Na terça-feira, um recém-nascido teve alta médica após ficar 14 dias internado no Rocha Faria. Avó do bebê, Naila de Sá Alves, de 41 anos, disse que o neto teve uma infecção hospitalar logo após o parto. Segundo Naila, o parto ocorreu numa sala imunda.

— Meu neto nasceu na sala de pré-parto, pois a sala de parto estava fechada. O lugar estava muito sujo, até vômito tinha — relatou, indignada. — Graças a Deus, meu netinho foi liberado, mas foi desesperador — completou Naila, que chegou a participar de um mutirão para limpar a unidade, junto com médicos e enfermeiros.

Além dos problemas de manutenção, o Rocha Faria sofre com a superlotação. Na terça-feira, pacientes em macas ocupavam os corredores da emergência. A situação não é diferente no Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes. Segundo uma das enfermeiras da unidade, que pediu para não ser identificada, o hospital está lotado e faltam antibióticos, seringas, luvas, fraldas e até papel de escritório. Segundo ela, roupas para pacientes e lençóis não são trocados diariamente:

— Os funcionários estão fazendo milagre aqui. São muitos pacientes, e a unidade não está conseguindo suprir as necessidades. No meu último plantão, comprei lenços umedecidos.

A Secretaria estadual de Saúde nega que estejam faltando insumos e remédios no Carlos Chagas.

Irmã de uma paciente que foi internada na unidade segunda-feira com anemia profunda e infecção urinária, Sônia de Oliveira, de 53 anos, afirmou que não há vagas na emergência.

— Minha irmã está sendo atendida no corredor. É um descaso. Tive que trazer cobertor de casa porque não ofereceram um para ela. Nós sofremos juntas — disse.

Com base em denúncias feitas por funcionários terceirizados, o Sindicato dos Médicos do Rio informou que vai entrar, ainda esta semana, com uma ação na Justiça do Trabalho. O objetivo é pedir que o estado seja obrigado a pagar os empregados em dia. O presidente da entidade, Jorge Darze, diz que atrasos salariais podem prejudicar a segurança hospitalar.

— Há uma crise na saúde. Quando há atraso no salário, o trabalhador tende a ter uma instabilidade emocional e pode comprometer o atendimento. Portanto, além de ser um problema grave, é algo perigoso do ponto de vista da segurança hospitalar — ressaltou. — O corte nos gastos tem sido prejudicial à população, porque o problema expõe os funcionários dos hospitais, seus familiares e, consequentemente, os pacientes — completou.

Sobre o uso de splits no centro cirúrgico do Rocha Faria, a diretora do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) Ilza Fellows disse que há risco de contaminação, caso a higienização dos aparelhos não seja bem feita:

— Normalmente, evita-se usar este tipo de aparelho, principalmente em centros cirúrgicos. A questão é se a correta higienização do equipamento será realizada, uma vez que esse tipo de aparelho tem limitações em comparação ao ar-condicionado central. Usar splits não é o ideal — afirmou.

A Secretaria de Saúde alega que o Rocha Faria passa por reforma na parte elétrica para a instalação do novo sistema de refrigeração.