fonte: Folha de SP

Cientistas da área médica questionam uma proposta de revisão das normas sobre pesquisa clínica –aquelas que envolvem os seres humanos– no Brasil.

Em carta aberta à presidente Dilma Rousseff, publicada na Folha e em outros veículos na última quinta-feira, 44 médicos e cientistas se dizem preocupados com uma possível mudança na regulação da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa).

A comissão elaborou recentemente uma minuta em que apresenta possíveis modificações nas regras relativas à aprovação de projetos de pesquisa na área.

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“Quando vimos a minuta, o sentimento foi de frustração. Vimos que a Conep não quer mudar. Se eles não querem mudar, a mudança vai ter que vir ou do ministro e da presidente, ou não virá. Escrevemos, então, a carta”, diz Antônio Britto,presidente da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa).

No modelo atual, todos projetos de pesquisa clínica brasileiros são submetidos a dupla aprovação: pelos Comitês de Ética em Pesquisa, ligados às universidades, e pela Conep. Fazer com que seja necessária apenas uma aprovação é uma demanda antiga dos pesquisadores. Segundo eles, a minuta do Conep ignora esse pedido.

Os cientistas estimam que todo o trâmite de aprovação demore até um ano no Brasil. Em outros países, que fazem a aprovação em fase única, como Coréia do Sul e Estados Unidos, não demora mais do que quatro meses.

A carta foi assinada por nomes como Helena Nader, Paulo Hoff, Jorge Kalil e Elisaldo Carlini. Segundo eles, as atuais regras engessam a pesquisa clínica do país, que acaba perdendo competitividade e até mesmo impedindo, alegadamente em nome da ética, que pacientes tenham acesso a tratamentos mais modernos.

Para o oftalmologista e professor titular da Unifesp Rubens Belfort Júnior, a burocracia existe por conta de um “patrulhamento coercitivo” por parte do CNS (Conselho Nacional de Saúde), órgão responsável por aprovar e fiscalizar políticas públicas de saúde. “Até a Colômbia e a Argentina são mais rápidas”, afirma.

Ele reclama que, além das normas serem burocráticas, a própria ação dos órgãos públicos acontece de forma a atrapalhar o trabalho dos pesquisadores.

“Cada vez que a gente entra com um projeto, o prazo é estendido até o ultimo dia e aí a gente recebe alguma questão secundária para responder. Depois disso eles tem o mesmo prazo [de 60 dias] para responder.”

Todas os potenciais novos medicamentos devem passar por testes clínicos, entre outras exigências, antes de serem comercializados.

Em paralelo às mudanças de regulamentação na própria Conep, transita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal um projeto de lei de Ana Amélia (PP-RS) que visa agilizar as decisões e reduzir o número de etapas cumpridas pelos projetos de pesquisa clínica. Os signatários não mencionam nem apoiam explicitamente essa iniciativa.

OUTRO LADO

Para Jorge Venancio, coordenador da Conep, os cientistas que assinaram o abaixo-assinado estão equivocados.

A minuta do Conep, ele diz, mantém a centralização da decisões sobre ética em pesquisa clínica, o que é importante para que exista uniformidade nas avaliações.

Ele critica a maneira como se dá o andamento do projeto de lei sobre o tema. “Estão tentando aprovar esse projeto a toque de caixa, sem discussão e sem audiência pública”.

Por exemplo, ele afirma que será ruim se os pacientes não tiverem mais o direito garantido de receber o melhor tratamento disponível para as suas doenças após terem participado de estudos clínicos. Hoje, isso é obrigatório.

Quanto aos atrasos, disse à Folha que pretende publicar todos os registros de chegada e saída de processos. “Em julho nossa média de resposta ficou em 45 dias, incluindo processos e pendências.”

Ele diz também que vão lançar um manual para evitar os erros mais comuns cometidos por pesquisadores e indústria.