fonte: Folha de SP
por Marcelo Queiroga, ministro da Saúde
A pandemia de Covid-19 deixou clara a necessidade de fortalecer a capacidade de resposta dos sistemas de saúde em nível global. A discussão sobre o reforço no financiamento da saúde não pode ser apartada da cobrança de eficiência e sustentabilidade. Nesse cenário, impõem-se mudanças no modelo de remuneração e transparência em relação à adoção de políticas públicas e entre os diversos segmentos do setor privado.
Em duas décadas, assistimos à forte concentração empresarial, com verticalização e assimetria entre beneficiários, prestadores, operadoras de planos de saúde e administradoras de benefícios. Ou seja, há necessidade de mudanças. O sistema financeiro brasileiro pode ser exemplo para a saúde privada. A adoção do open banking trouxe redução de 16% na concentração empresarial em um setor extremamente concentrado.
O desejado crescimento do setor privado, externado por bem-sucedidos IPOs, com um maior número de investidores aportando recursos para a saúde, demanda nossa atuação pela melhoria do ambiente de negócios, de modo que esse movimento se intensifique com transparência e capilaridade.
Com a saúde não seria diverso. O “open health” traria novo ambiente de negócios no setor privado de saúde brasileiro. A proposta de o país adotar um sistema moderno, eficaz, transparente e que traga mais concorrência ao mercado de planos de saúde é um enorme avanço para a saúde suplementar do Brasil, com reflexo no Sistema Único de Saúde, sobretudo em face da existência de renúncia fiscal. O necessário aprimoramento do processo regulatório estimularia transparência e concorrência, em observância às melhores práticas médicas e à necessidade crescente de incorporação de tecnologias inovadoras.
A criação de um modelo de compartilhamento de dados entre os planos de saúde, semelhante ao bem-sucedido open banking, aumentará a concorrência, facilitará a portabilidade e reduzirá custos para os usuários —sem que estes tenham sua privacidade ameaçada ou fiquem reféns de qualquer sistema de intermediação.
Em síntese, o “open health” terá dois pilares: o financeiro e o assistencial. A Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) deve servir de repositório dos dados de saúde dos brasileiros. A ideia é que tenhamos, de fato, um prontuário eletrônico, que daria mais eficiência ao sistema. Os dados pertencem a cada um de nós, e sua inviolabilidade é assegurada, pois estarão preservados e sob a guarda do Estado —não do médico ou dos planos de saúde.
Já os dados financeiros, em sintonia com o que ocorre no Banco Central com o open banking, trarão uma espécie de cadastro positivo da saúde. De forma anônima, as operadoras poderão ver os perfis dos usuários, sua assiduidade financeira, que tipos de cobertura têm e quais as características dos seus contratos e quanto pagam. Hoje, para migrar de um plano para outro (portabilidade), recorre-se ao Guia de Planos da ANS, e essa migração só é possível entre planos similares, além de se sujeitar a carências e regras de adesão.
Com o “open health”, esse “matchmaking” será feito em ambiente digital seguro —no qual as operadoras de saúde avaliarão o perfil do beneficiário, e esse, por sua vez, avaliará as coberturas, podendo optar pela portabilidade, sem intermediários, de forma rápida e ágil. Ocorreria algo semelhante a uma transferência por meio do Pix, com segurança, rapidez e eficiência.
O Banco Central ousou ao implantar o open banking, mas o ambiente econômico criado pela medida trouxe o apoio do setor bancário e da sociedade. Ocorrerá o mesmo com o “open health”. Logo teremos um ciclo virtuoso no sistema de saúde brasileiro, com mais eficiência, transparência e concorrência, propiciando o aprimoramento do SUS, assim como a redução da inadimplência do ressarcimento por parte de algumas operadoras do atendimento de seus beneficiários no setor público.
De posse desses dados, os brasileiros que optarem por contratar um plano de saúde poderão negociar condições mais favoráveis, evitando intermediação onerosa e ineficiente, que reduz a concorrência e amplia a concentração no setor da saúde suplementar.
No Brasil, a adoção do “open health” é questão de tempo, coragem e decisão.