fonte: The NY Times

Com o envelhecimento da população, os médicos enfrentam cada vez mais um dilema moral ao tratar de idosos sem parentes ou amigos: para quem pedir autorização para fazer certos procedimentos no caso de uma pessoa completamente solitária?

Essa discussão tem se tornado cada vez mais comum até mesmo entre pacientes. Elizabeth Evans, 88, é uma delas.

Dificilmente Elizabeth seria considerada incapaz de tomar decisões. Ela, que dedicou a vida ao voluntariado e que gosta de ler e de jardinagem, ainda dirige por cinco minutos até o mercado.

Ela usa andador e vive em um rancho em Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA). Há um ano ela se recupera da morte de Jerome, seu marido.

O trauma fez com que ela refletisse a respeito do fim da vida. “Depois de ver meu marido tendo a vida prolongada artificialmente, com todas as coisas que eles fazem em você, eu não optaria por isso”, disse. “Foi horrível. Eu prefiro fechar meus olhos em paz.”

Ela não teve filhos. Seu irmão tem 97 anos e sua irmã mora longe. Do grupo de tricô, de quatro pessoas, duas morreram. Ela não preencheu um formulário dado pelo seu médico (para emergência) nem conversou com ninguém a respeito de suas vontades. “Não sou o tipo de pessoa que sofre por antecipação.”

No caso de necessidade, assistentes sociais buscarão seus parentes e o hospital a considerará “sem parentes ou amigos” se ninguém aparecer para tomar decisões.

‘NÃO REPRESENTADO’

Muitas pessoas caem na estranha categoria. De acordo com um estudo do médico Douglas White, da Universidade de Pittsburgh, e colaboradores em um hospital da cidade, 16% dos pacientes de UTI caíam na categoria. Em outro levantamento, eles eram 5,5% dos mortos. Alguns estudiosos preferem usa a expressão menos estigmatizante “não representado”.

Os números aumentarão conforme a população envelhece –em parte porque a taxa de pessoas com demência aumenta com a idade.

As condições de idosos não representados também mudaram. No passado, muitos eram marginalizados –sem-teto, usuários de drogas, dementes e abandonados. Quem nasceu após a Segunda Guerra Mundial, com poucos filhos e altas taxas de divórcio, tem famílias menores e distantes e vivem mais que no passado. Acabam ficando solitários.

Hospitais, políticos e pesquisadores estão lidando com a questão com atraso, mas alternativas para contornar o problema vêm surgindo.

Por exemplo, alguns Estados estão deixando menos exigentes os critérios de quem pode ser o representante legal –geralmente são preferidos os cônjuges, seguidos dos irmãos e depois os filhos.

A adição de um “amigo próximo” à lista tem ajudado a aliviar o problema nos EUA. Outra solução foi incluir tios, sobrinhos e netos adultos nas possibilidades. No Estado do Texas, um membro da igreja pode assumir a função.

Com essa lógica, quanto mais possibilidades, maior a chance de achar alguém autorizado a tomar decisões.

Muitas vezes, as enfermeiras e outros profissionais ficam pensando se um paciente aceitaria ou não (se estivessem conscientes) passar por determinados procedimentos. Há aí o risco de tratar demais ou “de menos”.

SIGA O MANUAL

Por isso, algumas instituições já estão elaborando guias de conduta –em alguns casos, os próprios médicos disporiam de um “consentimento implícito”.

Sem as diretrizes, “os profissionais de saúde tem tomar as decisões por si mesmos”, diz Thaddeus Pope, diretor do Instituto Direito em Saúde na Universidade Hamline, em Minnesota. “O problema é que sabemos que médicos podem ter todo tipo de viés –desde raça até mesmo fatores socioeconômicos– em suas preferências de tratamento”. Eles também podem sentir pressões econômicas, afirma.

Uma das ideias é que para procedimentos como transfusão ou cirurgia, dois médicos e um especialista em ética concordem no que é melhor para o paciente –a medida foi adotada na clínica Cleveland.

O mesmo vale para ordens de não ressuscitação. Desligar o respirador artificial requer ainda a revisão de um comitê. Desde 2009, mais de cem casos foram analisados.

Os pacientes devem explicar suas crenças e desejos aos representantes que escolherem e deixar documentos com detalhes do que deve ser feito, diz White. Assim, seria possível saber o que eles consideram pior que a própria morte.

Isso, Elizabeth decidiu após a conversa com a reportagem, é o que a representa melhor: escrever as instruções e ter conversas francas com sua irmã ou com seu advogado.

“Você pensa que nada vai acontecer, e depois você percebe que isso é possível. Eu deveria ter feito isso ontem.”