fonte: Folha de SP
por CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA, presidente do CFM
Após a análise da execução orçamentária do Ministério da saúde em 2015, a competência administrativa do Órgão é colocada mais uma vez sob suspeita. Como tem ocorrido nos últimos 12 anos, o Governo Federal não conseguiu gastar de forma competente os recursos autorizados para manter as ações na área da assistência à saúde.
No ano passado, as verbas devolvidas aos cofres do Tesouro Nacional ultrapassaram o montante de R$ 15 bilhões. Com isso, foram gastos 88% de tudo que estava orçado para a saúde. A dotação inicial de R$ 121 bilhões acabou reduzida a R$ 106 bilhões, conforme dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).
Desde 2003, considerando-se as despesas com investimento e custeio, o Ministério da Saúde deixou de aplicar no Sistema Único de Saúde (SUS) valor maior que R$ 136,7 bilhões. O rombo corresponde ao orçamento de um ano inteiro. Portanto, a população foi penalizada nesse período com atenção mais precária à saúde, em consequência da incapacidade de aplicação do orçamento.
O Ministério da Saúde usa mal o dinheiro que tem disponível para custeio das despesas obrigatórias, como pagamento de salários, serviços, insumos e medicamentos. Além disso, é preciso ressaltar os prejuízos em investimentos, parcela conceituada pelos gestores como gasto nobre e essencial.
A metade dos R$ 15 bilhões que deveria ter sido investida na realização de obras (construções e reformas) e aquisição de equipamentos deixou de ser executada no ano passado. Até 31 de dezembro, apenas 41% dos R$ 10,3 bilhões disponíveis para esse fim haviam sido efetivamente gastos. Outros R$ 3,4 bilhões foram empenhados como verba para contratação de produtos ou serviços, não entregues ou realizados.
Entre 2003 e 2015, segundo informações do próprio Governo, foram aplicados em investimentos na saúde menos da metade (R$ 38,2 bilhões) de tudo que estava previsto. Ao longo desses anos, de cada R$ 10 programados para melhoria da infraestrutura na área, R$ 6 ficaram pelo caminho.
A repercussão destes números na prática assistencial à saúde ajuda a entender o significado da gestão ineficaz. É origem de sucessivas denúncias da falta de estrutura, de ausência de leitos e de acesso restrito a medicamentos e tratamentos importantes, como hemodiálise, radioterapia e quimioterapia, que se materializam nas formas de invalidez e mortes.
Outro exemplo dos efeitos deletérios causados por essa má gestão orçamentária aparece no combate ao Aedes aegypti, transmissor de agentes virais capazes de matar e sequelar, configurando a perspectiva de uma geração sob o estigma de malformações congênitas. Na comparação entre 2013 e 2015, identifica-se a redução de 60% no volume de recursos repassados às prefeituras com a finalidade de controle do vetor dessas doenças e mazelas.
De acordo com dados divulgados pela imprensa, o montante destinado ao controle desse mosquito caiu de R$ 363,4 milhões para R$ 143,7 milhões, com aumento recorde no total de casos e óbitos por dengue. Em 2015, houve 1,6 milhão de registros da doença, que causou 863 mortes. Ocorreu ainda a intensificação dos problemas relacionados à zicavirose, microcefalopatia e síndromes por danos fetais provocados ao tubo neuronal durante a gestação.
Os prefeitos alertam para o recrudescimento destas epidemias em 2016, o que exige do Ministério da Saúde incremento e agilidade nos repasses necessários, a serem efetuados em tempo de evitar o agravamento de um quadro epidêmico presente ao longo de mais de três décadas.
O SUS tem conquistas que devem ser mantidas e ampliadas a todo custo. O desequilíbrio econômico, causado em grande parte pela corrupção, e as exigências de caixa, contábeis e fiscais, não podem determinar as decisões numa esfera tão sensível, diretamente ligada a valores absolutos, como a vida e a saúde. Assim, esperamos que os gestores públicos reconheçam suas falhas e as corrijam, com reverência às responsabilidades assumidas perante a sociedade.